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«Falta cultura democrática em Portugal»

D. Duarte defendeu na Guarda que Portugal deve continuar a ser um estado soberano

“A Constituição Europeia e o Futuro de Portugal” foi o tema da conferência proferida por D. Duarte Pio, Duque de Bragança, que esteve na Guarda no último domingo a convite da Real Academia local. Mais de 30 pessoas acorreram ao Hotel Vanguarda para ouvir o monarca falar sobre o referendo à nova constituição europeia que será votado pelos portugueses no dia 13 de Junho de 2004.

Na verdade, D. Duarte veio explicar a sua posição relativamente a um assunto «bastante delicado». É que «nenhum Governo nem Parlamento tem direito de decidir assuntos fundamentais para o futuro do povo português sem consultar a opinião do país», considerou, realçando que «não é porque um determinado partido ganhou as eleições que tem direito a decidir que Portugal deixe de ser um país, um estado soberano, para poder passar a ser um simples estado federado numa república europeia, equivalente ao estado de “Main” nos EUA». Defende, por isso, que a pergunta do referendo deve ser feita de «forma honesta» permitindo que os portugueses percebam o que está em causa. D. Duarte deixa algumas pistas para a pergunta: «É a favor que Portugal adira à nova constituição europeia? Sim ou não?», ou outra «mais honesta»: «Acha que Portugal tem que continuar a ser um estado soberano ou aceita que Portugal passe a ser um estado federado numa federação europeia?». São estas questões que o Duque de Bragança quer ver no referendo agendado para 13 de Junho. Uma data com a qual discorda, pois é também o dia das eleições para o Parlamento Europeu. «Vai haver uma grande confusão e começarão a dizer que isto é para dizer sim ou não à Europa, mas não é», esclarece D. Duarte Pio, para quem há questões essenciais: «Europa sim, mas como é que a queremos? Até que ponto pode ser conduzida a integração europeia?». Perguntas que já deveriam ter sido colocadas aos portugueses na altura da adesão à moeda única, à semelhança de outros países. «Falta cultura democrática em Portugal», conclui o monarca, esclarecendo que a democracia «não é pôr um papelinho na caixa e dizer que o partido A ou B passa a mandar e a ter direito de fazer o que quer». Por isso, o Duque entende que deve ser definida uma nova data para o referendo, de forma que só vote quem já tem uma ideia sobre o assunto e quem está interessado. «Quem não tem vale mais nem ir votar, porque ir ao calha não vale a pena», aconselha, lembrando o referendo do aborto, em que «não era possível fazer uma pergunta mais desonesta e tendenciosa do que aquela». Relativamente à questão da representação de Portugal nos órgãos europeus, D. Duarte diz que tem «pouca» importância. «Muito mais grave é que as decisões hoje são tomadas por unanimidade e depois vão ser tomadas por maioria. Não a maioria dos países, mas a maioria dos eleitores europeus», explica, temendo que a Alemanha e a Polónia se juntem e «ganhem a maioria dos europeus todos». O que interessa, confessa, é «dizerem-nos até que ponto é que vamos desistir de ser um país soberano», advogando que Portugal deveria continuar a preservar as águas marítimas, os recursos piscícolas para que os espanhóis «não dêem cabo dos nossos peixes como já deram cabo dos deles. Porque não vamos ter qualquer hipótese de dizer não à pesca espanhola nas nossas águas». Mas D. Duarte vai mais longe, dizendo que os interesses de Portugal serão «pequeninos» no futuro, pois uma coisa é «sermos unidos, outra é termos que ser iguais e perdermos os nossos direitos». O duque entende ainda que a República esteve «sempre doente», evoluindo por golpes militares, e conseguiu levar Portugal ao «último lugar na Europa, segundo todos os critérios, enquanto que a Espanha estava muito mais atrasada do que nós em questões económicas e sociais e hoje passou-nos à frente», constata.

Já quanto à questão da Casa Pia, o Duque não quis comentar, limitando-se a afirmar que «não se pode entrar num ambiente de abandalhamento moral e achar que tudo está bem e igual, que não há bem nem mal, mas de repente há uma grande gritaria porque isto é gravíssimo». D. Duarte lamenta, de resto, que «muita gente» pense hoje que quando não há morte nem crimes violentos, «tudo o resto é legítimo». Sem mais comentários, o monarca prometeu uma visita mais demorada à Guarda, onde lhe ofereceram um cão da Serra, que «me lembra todos os dias que tenho que voltar».

Rita Lopes

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