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Falar em democratização cultural em Portugal é «demagogia»

Director artístico da Culturgest diz que se vivesse na Guarda ia ao TMG todos os dias

«A democratização cultural em Portugal são “tretas”». A afirmação é de Miguel Lobo Antunes, director artístico da Culturgest, que participou, no último sábado, na Guarda, no colóquio “A Programação Cultural Hoje”, organizado pelo Centro de Estudos Ibéricos. A iniciativa, que juntou algumas dezenas de pessoas, serviu para debater o panorama da programação cultural no nosso país.

No caso concreto do Teatro Municipal da Guarda (TMG), Miguel Lobo Antunes aplaudiu a sua programação por ser o exemplo «magnífico» num espaço situado fora dos grandes centros urbanos. «Tem espectáculos de teatro, dança, música que são de nível internacional e fora de série. É uma programação que eu admiro imenso. Se eu vivesse na Guarda acho que vinha cá todos os dias», confessou o programador. Já quanto àquela afirmação um «bocadinho provocatória», Miguel Lobo Antunes reconhece: «O que quis dizer foi que se fala muitas vezes de democratização cultural no sentido de que se chegar com a prática cultural a toda a população. Ora, o que se verifica, quer pelos estudos feitos em Portugal, quer sobretudo no estrangeiro, é que as práticas culturais estão associadas a grupos sociais relativamente restritos», constatou. Nesse sentido, quem costuma ir ao teatro, aos concertos de música clássica e a espectáculos de dança são, em regra, pessoas «com um grau de escolaridade acima da média e, muitas vezes, um poder de compra médio ou acima da média», garantiu. De resto, «uma pessoa que vive no campo dificilmente vai ver um espectáculo e, normalmente, até acha que aquilo não é para ele e todos os esforços que têm sido feitos no sentido de mudar esta realidade não têm sido bem sucedidos», admitiu.

O director artístico da Culturgest considerou ainda haver «alguma demagogia quando se diz “vamos levar a cultura a toda a gente”», sublinhando que «sempre foram elites mais ou menos amplas que praticaram a cultura na História da Humanidade e não se sai daí», lamenta. Em oposição, existe a chamada cultura popular, «o que não significa que essas pessoas não tenham uma cultura muito viva e interessante, quer na dança ou no folclore, que, para mim, é belíssimo», realçou. Miguel Lobo Antunes diferenciou então as manifestações culturais «genuínas» e a cultura erudita, que «normalmente, exige poder de compra, disponibilidade e conhecimentos que imensa gente não tem, o que não quer dizer que não se lute para que tenham». E exemplificou, apontando a crescente oferta de teatro, bibliotecas e criações. Contudo, não esquece que Portugal continua a ter «um número de analfabetos muito grande, práticas de leitura muito diminutas e taxas de abandono escolar altíssimas», o que dificilmente poderá ser sinónimo de práticas culturais. Por isso, enquanto esses índices não se alterarem, será «muito difícil» a cultura erudita chegar a mais pessoas. De resto, nos países mais desenvolvidos e com índices de conhecimento e de escolaridade superiores tem-se verificado que a prática cultural deixou de crescer. «Fica num grupo e não se expande», constata.

Ricardo Cordeiro

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