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Fachavôre, senhor Presidente!

Theatrum mundi

Em Espanha, o assunto do momento é, quase sem margem para discussão, o nascimento da infanta Leonor e a consequente necessidade de alterar a constituição do país para modificar a lei que estabelece a precedência do varão, relativamente à fêmea, na sucessão ao trono. Enquanto isto, os menos dados a monarquismos ou a revistas do coração dirão que também há a discussão nas Cortes do novo estatuto político para a Catalunha e as greves de pescadores e transportistas. E têm razão. Mas tirando a questão catalã que, para a maioria dos espanhóis, não passa de mais um aborrecimento a juntar ao Barça, a verdade é que os temas constitucionais sempre motivam a paixão e levantam a celeuma própria das questões definidores de um regime político, das suas regras básicas e do jogo dos seus actores mais relevantes. Deste lado da fronteira, a pré-campanha para as eleições presidenciais também está, de alguma forma, a ser marcada por este tipo de polémicas. Aqui não há infantas nem sucessões ao trono, nem Catalunhas. Mas há presidentes. E nem sequer é preciso leituras delirantes da Constituição da República para chegar a entendimentos diferentes de como devem ser interpretados os poderes da máxima figura do regime e de qual o perfil que os deve enquadrar. Mais intervencionista ou mais ouvidor? Mais especialista em economia e finanças ou mais poeta e humanista? Mais político profissional ou mais pairando sobre o mundo dos partidos? Mais novo ou mais velho? Enfim, todo um conjunto de interrogações a que cada um procurará dar resposta até ao dia 22 de Janeiro. E porventura para lá disso…

Todas as questões são lícitas, todas as comparações devem ser feitas. Todos os prós e os contras levados em conta. E cada um arranjará o seu método para avaliar os méritos dos candidatos para a única eleição verdadeiramente unipessoal no sistema político português. Aqui sim; aqui o objectivo central é escolher uma figura, mais aquilo que ela representa em termos de percurso de vida e de projecção para o futuro da comunidade que pretende vir a representar. O que já não me parece que tenha cabimento é o recurso, por parte de Cavaco, ao argumento de que não é um político profissional, numa clara tentativa para retirar vantagem de algum cansaço do cidadão comum face ao que não deixa de ser a vaga categoria da política profissional. (Os espanhóis arranjaram uma expressão curiosa para evocar essa figura mítica do cidadão comum – ciudadano de a pie –, cuja estima e apoio todos os elegíveis almejam conquistar e manter.) Cavaco deveria reflectir um pouco melhor sobre a sua própria experiência e passagem pelo governo da República. A derrota do PSD nas legislativas de 1995 e a sua própria nas eleições presidenciais de Janeiro seguinte foram a expressão mais evidente do cansaço, face à política profissional, do cidadão que anda a pé. E do cansaço face às máquinas partidárias e à política do abanar das bandeiras. E do cansaço face à política autista de quem não tem tempo para ler nem se incomoda em ter dúvidas. Cavaco não deve esquecer que, nos anos idos de 1995, era ele próprio quem encarnava a figura do político profissional. E duvido mesmo que tenha havido outro tão profissional como ele, não especialmente pelo decénio enquanto primeiro-ministro mas, sobretudo, pelo decénio enquanto senhor do PSD, a começar pelo episódio da Figueira da Foz. Dez anos passados esta imagem esbateu-se, como não deixa de ser normal. Mas uma coisa é certa, não é o grau de envolvimento na política que deve estar em causa na hora de avaliar o candidato à presidência (até porque este é um critério muito equívoco), mas as suas ideias para o futuro do país. Em todo o caso, um bom presidente será sempre aquele que puser o seu profissionalismo ao serviço da política.

Por: Marcos Farias Ferreira

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