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Fábulas

Corta!

Era uma vez um realizador. De seu nome Terry Gilliam. Há muitos, muitos anos atrás, fez um dos mais fantásticos (e aqui a palavra serve em vários sentidos) filmes de sempre. Baptizado Brazil, é ainda hoje um dos filmes preferidos de muita boa gente. Com apenas um filme e uma passagem anterior pelos geniais Monty Python, foi o suficiente para o seu nome nunca mais ter sido esquecido. Entretanto, os anos passaram. Vários filmes depois, e nenhum verdadeiramente digno de registo, ainda que 12 Macacos e Delírio em Las Vegas estivessem quase a atingir tal estatuto, sem nunca chegarem bem a lado nenhum, chega até nós Os Irmãos Grimm.

Espécie de best of de fábulas infantis, por onde passam vestígios do Capuchino Vermelho, Bela Adormecida e tantos outros, este Irmãos Grimm parece um cruzamento entre A Companhia dos Lobos, de Neil Jordan e Sleepy Hollow – A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, de Tim Burton. As referências são boas, mas o resultado nem tanto. Uma vez mais, Gilliam parece ter perdido algures o rumo das coisas. As personagens continuam o seu ponto forte. Enriquecidas até ao limite, passeando-se por palcos visualmente deslumbrantes. E até o pavoroso Matt Damon consegue parecer aqui um bom actor. Narrativamente é que tudo enfraquece, sem que nada de realmente interessante aconteça. A fantasia aqui não nos consegue fazer sonhar. Entre alguns bocejos, vários sorrisos, mas pouco mais que isso. Senhor Gilliam, por enquanto, ainda é só com Brazil que merece ser realmente recordado.

Azul

Numa cidade chuvosa e sem luz, um homem distribui panfletos. Olhar vazio e andar mecânico, desesperado por chegar onde não sabe. Os gestos repetem-se. Os passos também. Rituais de quem não consegue encontrar o que algures se perdeu. Numa qualquer ramificação do tempo. Uma quebra que permitiu o desaparecimento de uma parte de si. Como recuperar o equilíbrio perdido? Repetir tudo até que o hoje se transforme no amanhã em que tudo estava bem.

Numa Lisboa diferente do habitual, onde a chuva tapa a luz quase sempre presente no cinema nacional, um pai procura a filha. Tudo filmado com uma obsessão semelhante à do pai que procura a filha desaparecida, através de todos os métodos possíveis. Distribuição de panfletos. Gravações em vídeo da cidade onde milhares e milhares de pessoas se cruzam e tocam sem se verem ou sequer se aperceberem de que mais pessoas existem também ali em seu redor. Mesmo que temporariamente. A alienação como nunca antes foi vista. Alienação de uma cidade e de um homem. Alguém se lembra de The Conversation, de Coppola? Este Alice traz até nós algumas memórias desse filme.

Estreia promissora de Marcos Cruz, com a sempre fantástica Beatriz Batarda e o aqui fabuloso Nuno Lopes, Alice não é apenas o melhor filme português do ano, até porque mais nenhum digno de registo estreou nestes últimos dez meses, mas um dos melhores filmes do ano. Pesado, duro, incómodo e de difícil digestão, mas para coisas anódinas já existem as telenovelas. Isto… é cinema. Do bom.

Por: Hugo Sousa

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