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Exercício

Pacheco Pereira, na sua mais recente crónica no Público, publicada Sábado passado e já disponibilizada online no Abrupto, imagina como será o nosso futuro a médio prazo com o evoluir da crise a partir da velha lei de Murphy (o que pode correr mal vai correr mal ou, noutra versão, “o pão com manteiga cai sempre com a manteiga virada para baixo”). O cenário por ele desenhado inclui fábricas abandonadas, desemprego maciço, o esgotar dos recursos públicos e a falência da segurança social, com muitos milhares de pessoas à deriva, findo que seja o prazo do subsídio de desemprego.

A origem da catástrofe que parece iminente, recordo-o, podemos encontrá-la nas práticas comerciais temerárias do sistema financeiro mundial. Os bancos, pagando muito caro pelos seus erros, acabaram por colocar também em dificuldades, casa vez mais graves, todos os que dependem do crédito.

O cenário apresentado por Pacheco Pereira pode ser levado um pouco mais longe. Um país como o nosso, com um endividamento colossal, vai apanhar com o pior da crise. A recente degradação do rating de crédito da República, ao menos segundo a Standart & Poor´s, vai torná-lo mais caro para o Estado, mas também para todos nós. Os juros da dívida pública, que consomem já boa parte da riqueza produzida no país, vão consumir ainda mais. A Segurança Social, que se sabe já poder passar a deficitária em 2015, vai passar a exigir a partir daí, se não antes, transferências do Orçamento Geral do Estado para poder pagar pensões e subsídios de desemprego, assim se agravando tanto o défice como o endividamento público. Para piorar as coisas, veremos aumentar de novo o preço dos combustíveis, agora pela diminuição da oferta – ao começarem a esgotar-se as reservas.

Com cada vez menos dinheiro e menos acesso ao crédito vai ser necessário vender património mas não vai haver compradores, por falta de dinheiro. Os preços das casas vão cair ainda mais, como vão cair também, para preços ridículos, as carcaças das fábricas abandonadas. E os preços vão continuar mesmo assim a cair, num circuito infernal de realimentação positiva, provocado pelo aumento exponencial da oferta e a diminuição da procura. Vão cair preços e também salários, com a ajuda das recentes alterações ao código do trabalho e um pragmatismo cada vez maior dos sindicatos e dos trabalhadores. (E mesmo assim vão continuar a desaparecer empregos.)

Até que um dia vão aparecer compradores, vindos de onde há montanhas de dinheiro, de países com balanças comerciais excedentárias. Por exemplo da China, ou dos países árabes. Estes, fartos de comprar clubes de futebol em Inglaterra, podem decidir avançar para algo mais apetecível. Que tal um país, todo infraestruturado, cruzado de auto-estradas, com bom clima, com baixa criminalidade, fraca densidade populacional – e barato? Mas apostaria mais nos Chineses. Hoje compram uma fábrica, amanhã dois bairros devolutos, depois um banco, e outro, e outro. O futuro é negro, mas também pode ser amarelo, e não se sabe qual será pior.

Ou então não. Os Estados Unidos podem continuar a imprimir dólares aos biliões, numa tentativa desesperada para parar a crise e pôr a economia a funcionar de novo (e estão a fazê-lo já, a níveis sem precedentes desde o abandono do padrão ouro). Tantos dólares em circulação irão mais tarde ou mais cedo desvalorizar brutalmente a moeda americana e criar novos problemas, ao ponto de os chineses poderem ficar sentados em cima de uma montanha de papel sem valor. Vamos, infelizmente, viver tempos muito interessantes.

Por: António Ferreira

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