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Exclusividade

Li já praticamente tudo o que havia a dizer sobre o desagradável episódio de Passos Coelho e dos dinheiros que recebeu de uma ONG, por referência a um período em que era suposto estar em exclusividade na Assembleia da República. O tema da minha crónica era este e verifico agora, com algum embaraço, que disse já praticamente tudo o que havia de relevante a dizer sobre o assunto. A palavra “exclusividade” não precisa de grande explicação ou interpretação e, a partir do seu puro e chão significado, o resto da história torna-se muito banal. Nisto, os juristas, a não ser que estejam integrados em grandes escritórios de advogados que medeiem negócios entre o Estado e grandes empresas, são muito mais simples e diretos que os cidadãos comuns. Exclusividade é apenas isto: trabalhar em exclusivo, dedicando toda a sua força de trabalho, para alguém. Este conceito é muito comum no nosso sistema jurídico, tendo por exemplo como consequência que um trabalhador que desempenhe funções não autorizadas para um terceiro no seu período de férias tenha de devolver ao patrão a retribuição recebida nesse período. Descanso é descanso, trabalho é trabalho e este, se isso tiver sido combinado, é em exclusividade.

Ora diz-se que o Coelho, enquanto estava na Assembleia da República em tamanho regime de exclusividade que isso lhe rendeu trinta mil euros, recebeu cento e cinquenta mil euros de ajudas de custo de uma entidade privada. Esta, revela o infatigável José António Cerejo, de “O Público”, estava umbilicalmente ligada à Tecnoforma – a empresa especializada em financiamentos comunitários para onde o Coelho foi trabalhar depois de sair da Assembleia da República. Sei que tudo isto tem um ar levemente repugnante, mas não nos devemos deixar impressionar pelas aparências. Podia haver um motivo perfeitamente razoável para o Coelho receber de dois lados, mesmo estando em exclusividade num deles, e o Coelho invocou-o: eram ajudas de custo que essa entidade lhe abonava por conta de despesas feitas em nome e no interesse dela em atividades que ele, Coelho, em exclusividade na Assembleia da República, ia cumprindo. Não se lembra de que despesas eram e em que montante, até porque foi há quase vinte anos e isto, aliado ao facto de a Procuradoria Geral da República ter alertado para a prescrição de uma eventual responsabilidade criminal, deveria ser o suficiente para encerrar o assunto.

Certo, mas o meu direito a saber se o primeiro-ministro de Portugal é um aldrabão não prescreveu. Para mim, jurista, a exclusividade de um deputado implica que ele não possa dedicar a terceiros o precioso tempo que devia dedicar à Nação. Em exclusivo. Se prestou serviços para outrem, serviços que justificaram centenas de milhares de euros em ajudas de custo, isso significa que o subsídio de exclusividade que depois recebeu, de trinta mil euros, se destinou a pagar… nada. Deverá por isso o Coelho devolver o dinheiro recebido a mais, isso se quiser que acreditemos ele ser um homem honrado.

Por: António Ferreira

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