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Estudos

Ota, Rio Frio, Alcochete, Poceirão, Faias e mais meia dúzia de outros lugares têm vindo a ser sugeridos como possíveis localizações para o futuro aeroporto internacional de Lisboa. Há adeptos e detractores para cada uma das possíveis localizações, todos teimosos e todos cheios de razão. Há vento a mais na Ota e demasiadas aves em Rio Frio, áreas protegidas em Alcochete e inconvenientes de vária ordem nos outros sítios. Há também a necessidade de um novo aeroporto há muito tempo, há quase quarenta anos. O problema está na falta de consenso sobre qualquer uma das possíveis soluções e na facilidade com que se encontram objecções sempre que alguma delas parece poder tomar a dianteira. Na dúvida, dizem todos, devem ser feitos “estudos”.

Co-incineração ou os agora denominados “Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Industriais Perigosos” (CIRVER)? Ou será melhor continuar a fazer como até aqui, deixando os resíduos industriais perigosos ao deus-dará? Ninguém se entende. Cada vez que uma solução parece tomar a dianteira surgem as objecções, os pedidos de mais estudos, as providências cautelares. Os resíduos perigosos, entretanto, continuam a acumular-se em lixeiras clandestinas ou a ser enterrados á socapa ou ainda a ser contrabandeados para o estrangeiro, para países com ainda menos consciência ambiental do que nós mas com maior capacidade de decisão.

E o TGV? É em T, deitado ou de pé, em H? Com ligação à Ota, com passagem pelo Algarve, com paragem em Viseu, com ligação a Madrid ou a Badajoz? Ninguém se entende na matéria, faltam muitos estudos.

E é assim que, curiosamente, passámos a ter como força de bloqueio os “estudos”. Estes, aparentemente, têm o objectivo de confirmar aquilo que já intuíamos. Se o não confirmarem, então estão errados – o que implica, evidentemente, a necessidade de mais estudos.

Se estivermos no governo, temos de agir, e depressa, com os estudos que temos, os quais deixarão de servir assim que chegarmos à oposição. É que entretanto, houve mais estudos e pareceres e no partido a malta mudou de opinião. Se regressarmos ao governo iremos ponderar calmamente todas as possibilidades e, depois de amadurecer tudo muito bem madurinho, iremos decidir. Até podemos voltar a concordar com a Ota e com a co-incineração, nunca se sabe. Chama-se a isso repristinação.

Há apenas uma coisa certa no meio de tudo isto. Nunca é do interesse dos principais partidos quando estão na oposição apoiar as medidas do partido no governo. Este, por definição, faz tudo mal e, quando faz alguma coisa bem, é porque foi a isso obrigado pela força da opinião pública – o que apenas demonstra a sua incoerência.

É claro que no meio disto tudo quem fica a perder somos todos nós, que pagamos os inumeráveis e pelos vistos inúteis estudos e as consequências de nada se fazer. Talvez seja melhor assim.

Sugestões:

Um livro: As Putas do Diabo, de Armelle Le Brás-Chopard (Círculo de Leitores, 2007). Uma história da bruxaria ou de como a estupidez e o fanatismo condenaram à morte na fogueira milhares de mulheres

Outro: O livro Negro da Condição das Mulheres, dirigido por Christine Ockrent (Círculo de Leitores, 2007). Uma denúncia da actual condição feminina, desde as práticas chinesas de nascimentos selectivos aos crimes de honra no mundo muçulmano, passando pelas excisões e o tráfico de mulheres.

Por: António Ferreira

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