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Estudante

observatório de ornitorrincos

Hesitei bastante antes de incluir a função de aprender nesta lista de profissões. Hesitei tanto que a semana passada não houve Observatório de Ornitorrincos. Esta semana, as festas em honra da corporação justificam a opção.

Estudar é um trabalho não remunerado e sem entidade patronal, embora os pais exerçam tarefas de controlo e forneçam os meios de subsistência. Embora o Ministério da Educação tudo faça para que isso não aconteça, inclusive obrigar até os que não querem por lá andar, existe sempre a possibilidade de ficar desempregado das aulas, quando os pais se fartam da baixa produtividade escolar e mandam os meninos arranjar outros patrões. É, em tudo, um emprego como qualquer outro. Com a diferença de ser o único aceitável perante a lei enquanto não se pode votar ou engravidar a namorada. Mesmo as horas de expediente – os tempos lectivos, neste caso – são passadas como na maior parte das profissões em que se está sentado a uma mesa: a enviar sms, a rabiscar cadernos ou a embirrar com o palerma da carteira do lado.

A avaliação também deixou de ser uma característica única da tarefa estudantil. Estamos numa sociedade que exige rigor. Hoje em dia todos os profissionais são avaliados tanto pelo seu desempenho laboral como pelo seu cartão partidário.

As associações académicas e de estudantes são uma boa fusão dos princípios da organização sindical com as actividades lúdicas dos grupos recreativos. Uma boa associação é aquele que defende o direito dos alunos receberem tanto uma formação escolar irrepreensível como um fino impecavelmente tirado. E ambos a baixo preço, porque as famílias portuguesas não podem suportar altos custos com a educação, quando esta inclui gastos em derivados de produtos cada vez mais caros, como sejam o petróleo e a cevada.

A praxe, que muitos julgam ser um fenómeno exclusivamente do meio académico, é um fenómeno vulgar nas empresas e repartições de Portugal. Na verdade, a praxe não é mais do que um treino para a vida adulta, altura em que a cidadania se manifesta baixando a cabeça aos atropelos das administrações e outras chefias e barafustando longe delas. Quando, anos passados, outros estiverem na posição anteriormente ocupada é então altura de repetir o processo, numa expressão da reprodução cultural sem a qual a memória histórica das sociedades definharia. Não quero imaginar este país sem uma atitude de condescendência para as praxes da estirpe das dos governos de Cavaco Silva ou José Sócrates. Seria o caos. Anteveria mesmo a possibilidade de uma revolução.

Sobra o ambiente jovial. Estudar é como viver em permanência na sala de provas da Eristoff com janela para o Casal Ventoso. Mas isso seria igual se fossem músicos ou modelos.

Como aqui fica provado, ser estudante é uma profissão tão digna como as outras. Não é fácil, porque exige aprender coisas que à primeira vista podem parecer desinteressantes. Conhecer a fase mitótica do ciclo celular ou perceber as orações subordinadas adversativas pode não ajudar a ser popular, mas é importante saber tirar partido do que se faz. Por exemplo, quando se arranja emprego, oito horas a tirar fotocópias parece muito aborrecido – e é. Mas pode compensar se aproveitarmos os últimos cinco minutos para fotocopiar o rabo e espalhar as imagens pelo escritório. Nunca se sabe quando podemos usar o conhecimento das aulas de biologia ou português para arranjar namoros ou humilhar o gordo caixa de óculos. Aproveitem.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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