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Estratégias

A propósito da auto-estrada para a Guarda e da sua construção sobre a IP5 ocorre-me falar de Portugal e das suas idiossincrasias.

Parecia óbvio em 1982 que Madrid estava mais perto da Guarda que qualquer outro cidade, e pelo mapa vemos que a Guarda está no meio de Portugal com uma equidistância importante aos eixos viários da altura.

Parecia já então claro que o eixo de drenagem era a saída de Vilar Formoso e por essa razão concluímos que com os fundos europeus se faria não a auto-estrada, mas a IP5. Visão de futuro não é?

Fez-se um caminho que durou 10 anos a matar gente e a aumentar o pecúlio do Estado com a intolerância zero. Agora podemos chegar de auto-estrada à Guarda e podemos perceber como depressa se construiu a solução que sempre devia ter sido a primeira, poupando em linhas-férreas, em construções precárias e em vidas ceifadas a granel e estupidez. Possivelmente a nova via trará mais gente à Guarda pois deixou de estar a horas das grandes cidades e a risco de vida de quem nos procura.

O Prof. Cavaco Silva teve milhões para criar um desígnio e apenas engrossou o aparelho de Estado. Acalentou ideias como a exclusividade dos médicos sem nenhum resultado prático, povoou Portugal de Hospitais sem destino, criou as IP que dez anos depois estão a ser desfeitas e destruídas. Convenhamos que a amortização da estrada não se fez. Do ensino recordo as reformas de Roberto Carneiro que parece não terem sido solução. Diria mesmo que a proliferação de Politécnicos, a liberdade de criação desenfreada de cursos está a revelar-se com a lógica que já então o povo previa – muita parra e pouca uva.

Estratégia é perceber uma linha orientadora, desenhar um rumo para um destino consistente, e isso não se passou. Os anos 90 são o delírio das ideias e das vaidades do poder local.

Os anos 90, com dinheiro europeu a rodos, criaram inúmeras estruturas públicas de interesse discutível e de manutenção obrigatória e cara. Ele há piscinas municipais que distam 3 a 4 quilómetros para envaidecer Concelhos, há jardins infantis (sem árvores – sem sombras) em cada vila, há ruas abertas para lugar nenhum, alcatrão no meio de bosques, e tudo isto sem manutenção e sem capacidade de auto sustentação. Este é o cenário de um poder local desgovernado, da ausência de linhas ou balizas orientadoras para os distritos ou as grandes regiões. Pensem nos espaços entregues para parques industriais que hoje não têm mais que retail parks e serviços. Agora surgem as plataformas logísticas que esperemos que não tenham o mesmo triste destino.

Com Cavaco não houve reforma regionalizadora à excepção das 5 Administrações Regionais da Saúde que deram um sopro inovador, de um suspiro afinal. Era importante ter diminuído o aparelho de Estado e impedir o seu crescimento, o que na altura teve sorte inversa. O poder local autonomizou-se e endividou-se à banca em projectos discutíveis que hoje pagamos com juros elevados.

O português paga aliás todas estas opções do Estado e pouco discute a qualidade das medidas tomadas.

Podíamos viver hoje melhor: a distância permite pensar que sim e facilita algumas análises.

A opção energética: Já em 1976 era evidente o choque petrolífero e em 85 havia livros sobre as possibilidades de um choque energético. Que soluções alternativas desenvolveu Portugal? Porque temíamos uma central nuclear? A reforma da política energética era a opção vital e revelava a capacidade de ler à distância. As energias alternativas eram de facto caras na altura, mas a previsão era em seu favor e por isso esse era o caminho.

O nuclear estando na fronteira tinha os mesmos riscos de estar cá dentro e por essa razão também era uma possibilidade e hoje pagávamos menos pelas energias e tínhamos menor dependência dos países produtores de petróleo.

As energias renováveis e as soluções para o lixo industrial tinham de ter estado na mesa como sectores de antevisão e de futuro. As políticas ambientalistas sugeriam um caminho para o futuro. Já em 85 se conhecia o discurso dos 3 erres ecológicos Reduzir, reciclar, reutilizar. Fizemos as ETAR, começamos assim a protecção dos rios e acabámos com as grandes lixeiras. Houve uma incursão na co-incineração que depois parou sem uma evidência clara. Afinal encontrei co-incineradoras no meio de Paris.

Os eixos estruturantes: As auto-estradas podiam ter sido a solução imediata e eram a melhor para converter Portugal no país efectivamente pequeno que é, onde a distância seria em quilómetros e nunca em horas. Aconteceu a A1 que liga o Porto a Lisboa em 1994. Não houve mais nenhuma. As IPs foram um erro estratégico, com danos colaterais em vidas perdidas e milhões de litros de gasóleo e gasolina em filas intermináveis. Isto para não falar dos custos da nova auto-estrada e do custo das oportunidades perdidas.

A Justiça: A resolução da conflitualidade do emprego e a estabilidade do dinheiro investido está na celeridade dos tribunais, em rapidamente se chegar a um acordo justo. A reforma da Justiça é pois a base prioritária da segurança para o investimento e a melhoria dos direitos das pessoas. A Saúde precisa de Justiça e a educação igualmente. Um menino que agride um professor aprende com os pais nos tribunais de menores e percebe que o futuro não é uma bola de algodão. O doente que se sente mal tratado precisa de Justiça mais que de ERS ou Ordens, ou seja lá que poderes paralelos se inventem. A velocidade na execução da justiça e na decisão é vital para os equilíbrios institucionais. A equidade de tratamento e a liberdade de acesso aos meios são um princípio inquestionável, mas a velocidade com que se obtém a solução é tanto ou mais importante para a defesa dos nossos objectivos e é portanto um valor contemporâneo.

A criação de patentes é a solução que nos torna únicos e incontornáveis. Durante décadas Portugal não criou novas ideias, não investiu em inventos de excelência, não trouxe a sua ciência à produção de objectos desejáveis. Países como a Dinamarca vivem de ideias simples que lhes trouxeram fortunas. Como exemplo temos o Lego, a Samsonite, a H&M e tantas outras patentes. Uma boa patente não é forçosamente um objecto como a luz ou a turbina ou a roda. Pode ser a extraordinária Coca-Cola ou a Mac Donald. O que é forçoso é que se apoie o desenvolvimento desses projectos após sua avaliação correcta. Portugal tem a via verde, o Mateus Rose, o vinho do Porto e tem pouco mais. Porque não temos indústria farmacêutica com patentes específicas? Porque não temos um motor, um processo de transmissão wire-less, um carro alternativo, um computador leve, uma liga metálica inovadora? Porque não? Onde está a estratégia do Estado para os milhares de formados nas Universidades?

A política atlântica de Portugal, tendo como objecto a relação com os PALOP e o Brasil nunca aconteceu em pleno. Temos uma política onde a medo, carregados de preconceitos, não defendemos os nossos investidores e os nossos investimentos. Portugal não prepara produtos para o Brasil, não consegue divulgar sua cultura e ciência e não é o maior produtor de talentos científicos, culturais e musicais africanos, nem aqui residem os seus ídolos, que preferem Paris. Lisboa é um lugar de encanto, um ideal de mudança para muitos africanos e brasileiros mas depois não recebe os seus melhores filhos nem cria políticas de descriminação positiva para as Universidades. A prioridade está na justiça africana, no reforço dos países com opção democrática e na ingerência e na descriminação dos que optam por caminhos de roubo e totalitarismo. O caminho é a qualificação dos quadros africanos, ser a porta de entrada para os melhores produtos brasileiros na Europa e em África. Portugal tem de estar nas telecomunicações dos Palop, tem de ser parceiro nas energias dos Palop, tem de ser criador de indústria e agricultura nos Palop. Portugal tem de estar em parceria com o Brasil na entrada dos seus melhores produtos nos Estados Unidos da América. E acima de tudo tem de garantir os seus investimentos, a saúde e a justiça dos seus cidadãos nesses países. Portugal deve pois ter uma política concertada para o apoio e o desenvolvimento dos PALOP que seja exemplar. A melhor imigração para África é aquela que a arrancar do atraso em que se encontram. A fome e a miséria endémica são uma determinação.

A indústria por vez dos serviços deve ser um caminho evolutivo. As grandes empresas de Portugal hoje são as criadoras de shoppings, de redes telefónicas, de hipermercados, nada que transforme ou produza riquezas a partir dos solos, das riquezas naturais. Aqui vendem-se milhões de telefones mas não se fabrica nada que se lhes refira. A indústria tem de ser incentivada e alguma dela deve ser do próprio Estado, como antes tivemos a Setenave e a Lisnave que não nos envergonham para além das más opções de gestão.

Um processo estruturante é a redução do Estado e dos poderes locais. Portugal em Regiões administrativas grandes, com políticas estruturadas e desenvolvidas em prol de um investimento racional, que diminui os custos de manutenção que não privilegia o isolamento nem a dispersão dos meios e que concentra o desenvolvimento em linhas de interesse colectivo e que baliza os seus custos e os seus investimentos. A redução das instituições de poder local tem de estar a par da diminuição do número de parlamentares e do número de lugares de administração com vínculo.

Assim se dão alguns exemplos de um processo estratégico que nos obriga a pensar a Guarda junto com Belmonte e a Covilhã. Assim se percebe a Saúde inserida na região e o ensino como uma linha orientadora. A indústria é também aqui um caminho, tal como neste grupo urbano tem de se pensar o turismo da Serra, os parques desportivos, as escolhas comerciais. Podia dizer, com risco de não errar que a 50 anos uma destas cidades vence e as outras se apagam.

Por: Diogo Cabrita

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