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Estrada Nacional 2

A Estrada Nacional nº 2 atravessa Portugal de norte a sul e é a estrada de maior extensão do país, tendo o seu início em Chaves (Km 0) e fim ao Km 738,5 em Faro, passando por onze distritos, oito províncias, 4 serras, 11 rios e 32 concelhos.

O troço da EN2 confunde-se com a própria história, sendo que muitos segmentos já eram as principais vias romanas que atravessavam a Lusitânia.

Com o passar do tempo, as principais vias foram sendo melhoradas e ligadas umas às outras e até ao final do séc. XIX grande parte daquela que é hoje a EN2 já era Estrada Real.

Um dos grandes projetos do Estado Novo era a criação de uma estrada que ligasse o país de lés-a-lés pelo centro, e a partir de 1930 começaram a ser alcatroados os troços de pedra e de terra e construídas as ligações necessárias, até que em 1945 é classificada a Estrada Nacional nº 2 (fonte: Wikipedia).

A ideia foi dividir o percurso em quatro etapas cada uma com cerca de 190 km. Se bem a pensei, mais rápido a coloquei em prática. Assim, após ligação por bicicleta a partir da Guarda, iniciei no dia seguinte o troço Chaves-Viseu. Foi o mais difícil pelo acumulado de subidas, mas também o mais bonito e verdejante. Passando por Vila Pouca de Aguiar, encaixada no vale retilíneo gerado pela importante falha ativa da Vilariça e que é responsável por alguns dos sismos de pequena magnitude que atingem a região, a viagem continuou até Vila Real e daí pela belíssima paisagem património mundial do Douro com uma fantástica descida para o Peso da Régua e uma não menos fantástica e extenuante subida, com o maior desnível vertical de toda a EN2, do Peso da Régua ao topo da Serra de Bigorne (900 metros), passando por Lamego. Mas o dia ainda não estava acabado e chegar a Viseu foi uma sequência tortuosa de subidas e descidas que me esgotaram até à última caloria. Regressei a casa de comboio, via Mangualde, e descansei um ano (risos).

Este ano resolvi que tinha de completar os 570 km que faltavam. Apanhei o comboio até Mangualde e iniciei a segunda etapa ligando Viseu à Sertã. Após o Vimieiro, a EN2 vai desaparecer uns quilómetros mais à frente por baixo da Barragem da Aguieira. A imponente ponte Salazar (não a do Tejo) existente na foz do Dão está hoje submersa junto com a localidade sob 100 metros de água. O objeto da minha viagem reaparece umas dezenas de quilómetros à frente, já próximo de Penacova. O calor começa a apertar e o relevo a picar. Até à Sertã vai ser uma longa travessia de serras e vales numa paisagem onde dominou o fogo de Pedrógão e onde tudo teve que mudar para se constatar que tudo continua na mesma.

Terceira etapa Sertã-Montemor. A imagem da imensidão do “pinhal interior”, centenas de milhares de hectares de pinheiro (e eucalipto) avistados do Picoto da Milriça (centro geodésico de Portugal), da Sertã a Abrantes, do Açor à Lousã. Depois a estrada continua pela calma verdejante da planície do Tejo. Passagem por Montargil e a companhia da albufeira com o mesmo nome. Vai começar a aquecer a sério. De Mora a Montemor é um forno só suportável com abastecimentos estratégicos nas calmas tascas à beira da estrada. Pelo meio vou-me divertindo fazendo a coleção fotográfica dos marcos quilométricos cuja numeração tem algum significado: 300, 333 (2ª etapa); 369 (meio do percurso),400, 444, 500 (3ª etapa). Uns estão bem conservados, outros quase ilegíveis. Última etapa, últimos 200 km. Espera-me uma longa planície alentejana, que de plana não tem nada. Antes uma longa sucessão de sobe e desce sob um vento quente e inclemente de sul antes do ataque final à infinita e insuportável Serra do Caldeirão. Uma aridez, um calor e uma solidão capaz de desanimar o mais empedernido dos ciclistas. Mas as tascas, ai as tascas, essas revitalizadoras de corpo e mente, onde a simpatia das gentes, a glacial frescura das paredes e das águas das Pedras permitiram sempre um ganho de ânimo para fazer face ao que ainda faltava.

Marcos 555, 600, 666 (o marco do Demo aparece no meio do nada sob 40 graus a fazer jus ao simbolismo do número), 700 (já no meio do Caldeirão). Parece parvo, mas a “caça ao marco” foi uma forma de mitigar a solidão e a distância. Funcionou. De Alportel até Faro é, finalmente, uma longa e suave descida. O ar muda, nota-se já a humidade e o cheiro do mar. Para trás ficam o tédio e calor alentejanos. O tão desejado marco 738 aparece no meio de uma avenida. Foto obrigatória, bicicleta no carro de um primo. Missão cumprida.

Por: José Carlos Lopes

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