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«Esta região é privilegiada porque tudo o que é Douro é de qualidade»

Gustavo Duarte, presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa

P – Como encontrou a Câmara no seu primeiro dia enquanto presidente?

R – Contava que não estaria muito bem e isso levou-me a pedir uma auditoria à situação financeira. Sei que há problemas graves em termos de tesouraria. Há outros problemas de tramitação de obras com alguma gravidade, mas só no final da auditoria poderei ter uma visão mais global da situação real do município.

P – Como viu os quatro anos de governação socialista?

R – Foram quatro anos completamente perdidos em termos de gestão autárquica. Não se fizeram projectos novos e não se continuaram outros que vinham de trás.

P – O que espera da oposição liderada pelo seu antecessor Emílio Mesquita, tendo em conta algumas situações vividas na campanha?

R – Penso que não houve nada de extraordinário durante a campanha. Houve aquelas “guerras” políticas normais, não mais que isso. Da oposição espero que contribua dentro das suas possibilidades para o desenvolvimento do concelho, de resto só o meu antecessor poderá responder a essa pergunta.

P – No discurso de vitória mostrou-se agastado e violento em relação ao seu oponente. Mantém as críticas?

R – As opiniões que manifestei no dia das eleições mantenho-as e penso que a própria população também tem essa ideia. Disse que, de alguma forma, o 25 de Abril tinha chegado novamente a Foz Côa porque havia alguma perseguição. Sentia-se na população, e mais concretamente nos funcionários, que não eram completamente livres de tomarem as suas opções.

P – Apesar de estar a sete quilómetros, o aproveitamento do Pocinho enquanto âncora de desenvolvimento no contexto do Douro não tem sido aproveitado. Esses projectos poderão mudar esta realidade?

R – Sem dúvida. Concordo que o Pocinho e o rio Douro têm que ser mais uma porta de desenvolvimento de Foz Côa, que não tem sido, e penso que o Centro de Alto Rendimento do Remo e o cais serão fundamentais.

P – Em relação à Fozcôactiva, houve alguma polémica nos últimos tempos, nomeadamente porque a directora era esposa do seu antecessor. O que vai acontecer agora?

R – Esse problema nem se põe, na medida em que será nomeado um novo conselho de administração. Mas já se chegou a acordo e a pessoa em causa já não faz parte dos quadros da Fozcôactiva. Este executivo nem teve nenhuma interferência nisso.

P – Quando será inaugurado o Museu do Côa?

R – A informação que tenho é que ocorrerá em Fevereiro ou Março do próximo ano. O museu está praticamente concluído, falta afinar pormenores. Até pela questão das amendoeiras em flor, penso que seria uma altura ideal.

P – É uma estrutura importante para o desenvolvimento do concelho?

R – Claro que sim e só peca por tardia. As gravuras foram descobertas em 1994 e já passaram 15 anos. Acho que se perdeu todo aquele elã de que poderíamos ter tirado bastante partido em termos de desenvolvimento do concelho, mas espero que, como diz o povo, “mais vale tarde do que nunca” e que finalmente vá ser uma infraestrutura que vai dinamizar não só Foz Côa, mas toda a região.

P – É o único concelho do país com dois patrimónios mundiais, mas tem-se a sensação de ter havido muito pouco aproveitamento disso. Como conta inverter esta tendência?

R – Acho que, desde logo, fazendo parcerias com o Governo. Não queremos que volte a acontecer o que aconteceu na altura das gravuras, em que foram prometidos mundos e fundos e muito pouco foi feito. O que pretendemos é criar uma “task force” com Foz Côa e a Associação do Vale do Côa para conseguirmos fazer ver ao poder central que há que investir mais no interior. Nesse sentido, esperamos que, com o Museu e o Centro de Alto Rendimento do Remo, consigamos que o desenvolvimento não seja uma palavra vã nestas regiões.

P – Na visita que o anterior ministro da Cultura fez, o executivo socialista que estava na Câmara assumiu a possibilidade de um modelo de gestão que passava por uma parceria público-privada. Concorda?

R – Acho que se tem especulado muito com a gestão do Museu do Côa. Nessa visita, o então ministro teve três intervenções e em qualquer uma delas o modelo de gestão variou. O anterior presidente defendia que os privados também poderiam ter uma palavra a dizer, eu diria que a autarquia deveria participar de alguma forma na gestão. De qualquer modo, a tutela é o Ministério da Cultura e a manutenção desta infraestrutura tem custos muito elevados que o município não tem condições para suportar. Espero pedir, em breve, uma audiência à nova ministra para começarmos a definir ou, pelo menos, ficarmos a saber o que o Ministério pensa. Mas, com bom senso e ponderação, acho que vamos chegar a um acordo para que o município também tenha alguma coisa a dizer.

P – E quanto às obrigações que o Governo subscreveu na altura e que não têm sido cumpridas em relação a Foz Côa?

R – Está-se a fazer agora alguma coisa com o IP2. As acessibilidades, uma das bandeiras desse célebre Procôa, tinham um papel fundamental, mas não se fez um quilómetro de estradas e os acessos são os mesmos. Hoje, o IP2 está em construção e o IC34 será fundamental para a região porque encurta em 50 ou 60 quilómetros a distância entre Foz Côa e Salamanca, por exemplo. Ou seja, uma hora a menos, mas daqui a Barca d’Alva são 20 e poucos quilómetros numa estrada panorâmica junto ao Douro. Esta via vai permitir-nos captar muitos turistas das regiões espanholas de Salamanca, Zamora e Valladolid. É uma obra em que apostamos fortemente e lamentamos que o anterior executivo tenha desclassificado esse troço, porque neste momento já não é IC. Era fundamental retomá-lo como IC, reconhecendo que é necessário ter alguns cuidados com o impacto ambiental. O que vou tentar fazer é que o poder central repense e que essa via volte a ser IC, pois, se calhar, é o trajecto Salamanca-Porto que poderá ser mais utilizado.

P – O IP2 pode mudar radicalmente a relação de Foz Côa com a Serra da Estrela e as cidades da Guarda e Viseu. Considera que irá transformar as relações sócio-económicas dos fozcoenses?

R – Esperemos bem que sim. Enquanto que, hoje, daqui à Guarda demoramos cerca de uma hora, com o IP2 ficamos a meia-hora, 40 minutos. É uma reivindicação que já vinha de há muitos anos e chegou finalmente.

P – Com a ligação ferroviária a Barca d’Alva e, posteriormente, a Salamanca, Foz Côa poderá captar mais visitantes?

R – Sem dúvida. Um dos projectos importantes para o concelho é a ligação ferroviária a Barca d’Alva. É um complemento do futuro IC34. Neste momento, a linha termina no Pocinho e, com o museu e as gravuras mais à frente, também vai permitir uma visita às gravuras.

P – Com as amendoeiras em flor que continuam a ser o cartaz de Foz Côa e ainda com o Museu do Côa, as gravuras e o Alto Douro Vinhateiro já poderia ter uma capitalidade cultural e turística de outra dimensão. O que vai fazer para conseguir isso?

R – Temos que investir nessa complementaridade. Essa é outra das críticas que fazemos ao anterior executivo porque só investiu forte nas amendoeiras em flor neste último ano por ser ano eleitoral. Acho que se criaram umas festas da amendoeira com um carácter um pouco elitista e de coisas que, muitas vezes, pouco diziam às populações. Com as gravuras, o museu e o Douro Vinhateiro e, espero no futuro, o parque temático, temos de criar uma rede de sinergias entre estes investimentos que vão dinamizar toda esta região.

P – Outro produto de excelência de Foz Côa é o seu vinho, mas pouca gente dá conta do que é feito no concelho. Como pensa inverter esta tendência?

R – Uma das nossas promessas eleitorais é criar um evento relacionado com o vinho. Somos um dos três concelhos que está totalmente integrado na Região Demarcada do Douro e temos os melhores vinhos, diria mesmo, do mundo – aqui nasce o Barca Velha, o Vale Meão, o Duas Quintas, entre outros. Temos dos melhores vinhos, mas também o melhor azeite, a melhor amêndoa e o melhor figo. É verdade que não se tem aproveitado esse facto e que o vinho do Porto é mais associado ao Porto e à Régua do que a Foz Côa. Este ano fizemos a festa das vindimas, mas foram dois ou três artistas contratados a actuarem na Praça do Município e isto não é nada. Penso que se deve apostar em mostras de vinhos, em associação com os produtores, e fazer concursos. Isso é fundamental para que Foz Côa possa também dar cartas nessa área, já que tem a qualidade do vinho. Queremos fazer uma clara aposta nos produtos endógenos.

P – A falta de hotelaria no concelho é um problema?

R – É uma das grandes lacunas de momento. Tenho alguns contactos com empresários privados do sector que estou convencido que poderão vir a investir aqui. Também no PROVERE, que está em curso, há uma unidade hoteleira em Foz Côa que já se candidatou nesta primeira fase. Tenho conhecimento de que há mais um ou dois potenciais investidores com projectos avançados. Portanto, espero que neste mandato Foz Côa possa ver nascer uma unidade hoteleira com qualidade e dimensão superior que permita esse tal afluxo de turistas que ambicionamos.

P – Como está Foz Côa na área da saúde?

R – Também estou optimista nesse campo. A minha primeira reunião enquanto presidente da Câmara foi com a ARS na semana passada, no Porto. Havia aqui alguns problemas em termos de saúde. Desde logo, estava um bocadinho pessimista em relação à urgência básica porque, quando surgiu em Foz Côa, em princípio era para servir os concelhos limítrofes da Mêda e de Figueira. Depois passámos para Bragança, com Freixo e Moncorvo, e neste momento é só Foz Côa que está a usufruir desta urgência, pelo que tinha algum receio em termos populacionais que houvesse alguma dificuldade. Na ARS garantiram-me que, mesmo que seja só Foz Côa, essa unidade é para manter. O terreno do novo Centro de Saúde, onde funcionará a urgência básica, também será escolhido brevemente e penso que este equipamento será contemplado quase de certeza no próximo PIDDAC.

P – Será presidente da autarquia por quantos anos?

R – Costuma-se dizer que o futuro a Deus pertence. Fui eleito para quatro anos e tudo farei para cumprir o meu programa, depois o futuro logo se vê. Quanto a projectos, mesmo que não sejam connosco, pode deixar-se uma linha de rumo, estudos e ambições e nesse aspecto trabalharei como se fosse para 10 ou 20 anos. Agora daqui a quatro anos se verá.

P – Que marca gostaria de deixar?

R – Gostaria de deixar muitas, desde logo o parque temático, até porque estive ligado ao nascimento do projecto quando ainda era vereador. Também me dá algum prazer que o Museu do Côa seja inaugurado durante o meu mandato. Costumo dizer que se fez justiça, porque foi um dos projectos-âncora para o distrito na altura em que fui eleito deputado. Só eu sei as conversas e os problemas que tivemos que ultrapassar para ter este museu e naquele local, pois inicialmente era na zona da barragem. O IC34 também é um projecto que gostaria de ver, pelo menos, iniciado neste mandato. Outro que já começámos a delinear era um Centro de Ciência Viva. Seria um projecto muito importante para a região e que até se complementava com o museu. Esperamos que haja colaboração do poder central. Vamos ver o que é possível. Uma coisa garanto é que tudo faremos para que neste mandato se recuperem os quatro anos que foram perdidos.

P – Apesar das dificuldades financeiras que teme, está optimista?

R – Estou optimista porque acho que, com trabalho, empenho e dedicação, tudo é possível fazer. As contas não são famosas, mas espero contar com a ajuda do poder central, e esta também é uma forma do Governo mostrar que está com o interior. O Governo é de outra cor, mas acho que tanto o poder local como central devem querer o desenvolvimento do país, neste caso da região. Pela minha parte, não haverá discriminações políticas que se sobreponham aos interesses dos fozcoenses. Nessa medida, estou optimista.

P – Quais as suas opções estratégicas para este mandato?

R – Podia dividir essa questão em dois ou três pontos. Uma é o turismo. Somos um concelho com dois Patrimónios Mundiais, as gravuras rupestres e o Alto Douro Vinhateiro, e com todo o seu património arquitectónico e paisagístico, temos potencialidades e condições ímpares para se desenvolver turisticamente. Temos ainda o Douro que é hoje uma das referências em termos internacionais. É uma das rotas que está na moda. Temos que construir o cais do Pocinho para que os barcos que sobem o rio não se limitem a passar, é preciso que parem e que as pessoas venham a Foz Côa, já que estamos a sete quilómetros do Pocinho. Temos alguns projectos estruturantes a que vamos dedicar grande atenção. Em primeiro lugar, devemos retomar o parque temático, um projecto que esteve aprovado no Procôa, agora AIBT do Côa, só que nunca foi homologado pelo Governo. É um projecto que, com o museu que está prestes a ser inaugurado, vai dar uma grande dinâmica em termos de turismo e de afluência de pessoas, que é o que falta a esta região. Outra prioridade é um Centro de Alto Rendimento de Remo no Pocinho. É um investimento de cinco milhões de euros cujas propostas têm que ser entregues até 31 de Dezembro. Este projecto vai dotar Foz Côa, e concretamente o Pocinho, de um equipamento bastante interessante e que vai ter impacto. Já há apoio da Secretaria de Estado e a candidatura a fundos comunitários está feita. O início da obra está previsto para 1 de Abril e a sua conclusão a 30 de Setembro de 2011. Há muitas equipas da Europa, e não só, que já estagiam naqueles pavilhões e que não têm muitas condições. O objectivo é que as selecções que vão aos Jogos Olímpicos de Londres já venham estagiar aqui.

Números

17 freguesias constituem o concelho de Vila Nova de Foz Côa (distrito da Guarda)

2 patrimónios mundiais

8.494 é a população residente (Censos 2001)

17por cento é a taxa de analfabetismo (Censos 2001)

285 é o número de desempregados (dados do IEFP em Outubro de 2009)

«Esta região é privilegiada porque tudo o
        que é Douro é de qualidade»

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