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Esperar

Bilhete Postal

Maria esperou por ele dez anos enquanto cumpria pena por burla. Por vezes visitava-o na penitenciária e chegavam ao calor dos corpos com alguns favores e simpatias dos funcionários. Dez anos sem pecado, dez anos sem mácula. Maria viveu aquela detenção de modo estóico, levou as filhas ao colégio, pagou-lhes os primeiros anos da Universidade, limpou escadas, casas, empresas, serviu em bares, guiou táxis e tudo o mais que é honesto e deixa fome. Por isso fez alguns desvios e algumas poupanças menos claras.

Maria era a primeira de cinco filhas de Sebastião, inconformado com um genro deste calibre. Era habituada a cuidar das mais pequenas, desde menina, e cuidava e lavava, e vestia e passava, até vir o moço que a tirou de Sebastião. Viveu só com dois homens, o pai, muito honesto que saia de manhã para o trabalho e vinha alimentar os frutos da viuvez, e o Henrique, bandido dos quatro costados, filho, neto e irmão de ladrão. Assim se fez Maria dona de uma ciência vasta, de um saber lato, de poupar a roubar, de esconder a extorquir. Maria deu às filhas tudo, levou dez anos dedicada às sobras da prisão e foi esperar Henrique aos dez anos de cárcere. A filha mais nova nasceu de uma saída precária e era a terceira dos dois.

Maria na porta vê Henrique longe. Chega um carro azul rápido, ela ainda longe a sair do autocarro, ele a beijar alguém que sai do carro, e uma criança pequena que lhe trepa as pernas. O autocarro estaciona e Maria sai, Henrique entra no carro azul. Ela olha o vidro donde Henrique não acena.

Podiam haver lágrimas nos olhos de Maria mas o tempo não permitiu. Sebastião mais à frente intercepta o carro azul com o corpo e pára-o. Tira Henrique de dentro e dispara a arma com que já ficara viúvo e ninguém soubera.

– Não gostava deste ladrão! Agora roubava dez anos da minha filha?

Maria voltaria mais dez anos a este presídio onde o pai pagava o crime de honra.

Por: Diogo Cabrita

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