Arquivo

Espaços Cénicos

Bilhete Postal

Tudo no mundo em que vivemos se exprime por linguagens, que podem ser gestuais, orais, sinaléticas e significam entendimento e compreensão. Os cenários são também, linguagem e transportam comportamentos e afectos. Nós se esperamos numa sala fria e feia, escorrendo humidades ficamos tristes e taciturnos, além de enregelados. Se o lugar é exíguo ficamos apertados, aperrados, acanhados e nasce a claustrofobia. Se viajamos num comboio sujo, estamos desconfortáveis. Todo o cenário transporta pois uma linguagem e a roupa é gesto e o penteado é discurso, e as mãos são informação. Olhar é em si mesmo comunicação e podemos ver e julgar em simultâneo, ao observar carregamos um sentimento que se demonstra nas pálpebras e nos sulcos nasais e revelam-nos por dentro. A tudo isto acresce que há estéticas envolvidas em cada um dos cenários, em cada um dos comportamentos. Eu sou elegante, ou grosso, ou elaborado, ou extravagante, e tudo isso transporto na linguagem que utilizo. Os estilos formais são aprendidos e transportados no discurso das ciências e na forma como as extrapolamos. Assim as pessoas cultas são, simultaneamente, a transmissão de uma cultura aprendida e ainda de outra elaborada. As pessoas formatam a sua aparência aos estilos que preferem e os estilos carregam um cenário, um comportamento e um discurso. Nós somos, pois, muito próximos da farda de cada ideia que projectamos para o exterior. Somos um teatro que se revela em cada momento. E somos isto como produto de correntes intelectuais controláveis (culturais) e incontroláveis (sentimentos, sensações) produzindo correntes fluxo e frenação. Esta dicotomia do eu que se demonstra como cenário é destruída por um pedaço neuronal que se isquemía num AVC, ou por um momento que se descontrola sob efeito do álcool. E nós somos inteiros e cénicos nesse momento? E somos nós?

Sobre o autor

Leave a Reply