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Envelhecer numa aldeia histórica

Em Linhares da Beira a gente que nos olha nos olhos e nos abre a alma é a mesma que se sente abandonada à própria sorte

Nas encostas do lado norte da Serra da Estrela encontramos a aldeia de Linhares da Beira. Situada no distrito da Guarda, foi vila e sede de concelho até ao século XIX. Hoje é uma das 12 aldeias históricas de Portugal. Mas a sua beleza e o seu património de pouco valem aos que lá vivem.

Ao deambular pelas ruas de Linhares, visitamos o passado desta terra e da sua gente. Pessoas que estão sempre “com o coração aberto” para receber os visitantes. Mas esta gente que nos olha nos olhos e nos abre a alma é a mesma que se sente abandonada à própria sorte. Os turistas continuam a vir todos os dias. Atraídos pela história da aldeia, para fazer parapente ou pela proximidade à Serra da Estrela. Mas estes vêm e depressa vão. O fecho dos serviços ao dispor da população, a partida dos mais jovens e a falta de transportes assustam quem fica.

O castelo medieval de Linhares, construído a 809 metros de altura, é um dos principais pontos turísticos da aldeia. As suas torres, vistas de longe, têm a imponência de firmes atalaias, cujas montanhas lhe servem de pano de fundo. No tempo medieval, o papel defensivo do castelo foi fundamental, retardando ou dissuadindo os avanços dos inimigos.

A casa de Maria do Rosário Pires, 66 anos, tem uma vista privilegiada para o castelo da aldeia. Nascida e criada em Linhares, aos 36 anos foi viver para os Estados Unidos com o marido, onde abriu um salão de cabeleireiro. Viviam desafogadamente, mas «sempre houve aquele bichinho em voltar». «As pessoas quando vão para outro país com 20 anos adaptam-se bem, mas com uma idade mais avançada é diferente», afirma.

Há 30 anos, quando regressaram para Linhares, não havia praticamente nada, apenas «um café pequenino e um minimercado». Mas Maria nunca foi mulher de ficar parada. Pegou «no que sabia fazer» e abriu um salão de cabeleireiro. Depois, um pronto-a-vestir. Mais tarde, começou a fazer enchidos para vender. Com o avançar da idade, acabou por se dedicar apenas ao turismo rural através da “Casa Pissarra”.

Maria viveu o tempo das galinhas gordas nesta aldeia. Quando tinha o seu salão, chegavam a passar-lhe «40 pessoas pelas mãos todos os dias». Hoje não existe nenhum cabeleireiro, nem um pronto-a-vestir, ou um supermercado. Na sua opinião, a procura pelos serviços mantém-se, mas é preciso mais «força de vontade para fazer as coisas». Os dois filhos já voltaram para os Estados Unidos porque ali «não há nada que dê emprego».

Maria é mulher do ex-presidente da junta de freguesia. Garante que nessa altura «as coisas eram diferentes» e que ambos estavam sempre presentes para o povo. «Agora estamos aqui um bocadinho abandonados», confessa. Descreve a sua aldeia como «um diamante que tem que ser trabalhado para ter mais valor» e fala da necessidade de apoiar os empreendedores que queiram investir nestes locais, com menos burocracia. «Há muitas restrições para abrir um negócio aqui em Linhares, é preciso legalizar as coisas com menos exigências», esclarece.

Há na povoação vários edifícios solarengos e casas com artísticas janelas manuelinas. A arte barroca está presente nos chafarizes ou nas capelas. Rua acima, rua abaixo, passa um casal de espanhóis. Um residente da aldeia bebe uma cerveja num dos dois cafés que existem, é o único cliente. Outra família de turistas tira fotografias enquanto caminha.

Dulce Mimoso vive apenas há dois anos em Linhares. Antes morava em Lisboa, mas aos 58 anos decidiu mudar-se para a aldeia onde nasceu. Os filhos e netos permaneceram na capital. “Seria um belíssimo sítio para eles viverem, se houvesse meios de sobrevivência”, refere. Se em tempos a população desta aldeia vivia da agricultura ou do pastoreio, Dulce afirma que isso hoje não é possível. Do pastoreio restam apenas fortes tradições, como o fabrico do famoso Queijo da Serra.

Assim como a vizinha, Maria gosta da sua terra, mas concorda que existem muitos constrangimentos. «É uma aldeia histórica muito bonita» um meio sossegado em que gosto de viver, mas falta cá muita coisa.” Filha de gente da terra, recorda o tempo dos seus pais em que «havia tudo, agora não há nada». Ainda que as estradas não tenham o trânsito de Lisboa, faltam transportes públicos. Ter carro próprio é fundamental para se viver neste meio. Dulce aponta a inexistência de um supermercado como uma das principais falhas, já que o mais próximo fica a 15 km, na vila de Celorico da Beira.

«O problema é que faltam cá jovens, vão-se embora porque aqui não dá para viver», afirma Dulce. Linhares sofre do mesmo mal das regiões do interior, a desertificação. A população é escassa e está envelhecida. Os jovens partem e levam o dinamismo com eles. Perdem pessoas e serviços.

Apostar no interior

Paulo Mimoso é natural e residente de Linhares da Beira. Desde há seis anos que é proprietário do restaurante “Cova da Loba”, o único que existe nesta aldeia. «Linhares é o polo de atração turística do concelho de Celorico da Beira, mas pecava por não ter um serviço de restauração permanente», afirma. Paulo preocupou-se em criar um espaço com uma «cozinha tradicional, mas mais sofisticada». Com um espaço visual «diferente do comum restaurante», todos os pratos são elaborados com produtos locais que são aproveitados na sua altura de maior força. O cabrito e o borrego, duas das especialidades mais procuradas, permanecem na carta durante todo o ano.

É considerado restaurante de excelência pelo “Tripadvisor” há seis anos consecutivos. Mas não é dos habitantes locais que vive este negócio. Paulo apostou num segmento diferenciado, focando-se essencialmente nos turistas. Em média, cerca de 65% dos seus clientes são estrangeiros, 30% são pessoas de todo o país e apenas 5% são clientes do distrito.

Há mesmo quem vá a Linhares apenas para fazer uma refeição neste restaurante. O proprietário lamenta o facto de não haver mais gente a apostar nestas aldeias com tanto potencial. «As dinâmicas criam-se com pessoas, e se outros tivessem pensado como eu, hoje isto seria diferente», refere. Na sua opinião, o facto de haver cada vez menos gente deve-se à falta de iniciativa privada. É preciso fomentar o comércio local para promover e divulgar a aldeia. «Há espaço para tudo e quanto mais oferta houver, mais procura há», explica.

Na opinião de Paulo, compete aos responsáveis políticos criar atividades que «façam com que as pessoas venham». «Só faz sentido ser-se presidente de junta se for um presidente presente. Se não estiver cá, a preocupação não vai ser a mesma. E nos meios pequenos isso é ainda mais importante», conclui.

O que resta

Linhares é uma terra onde muitos morrem e poucos nascem. O presidente da junta de freguesia, Luís Mimoso, reconhece que esta é «uma aldeia empobrecida e envelhecida, tendo as pessoas mais jovens de deslocar-se para locais onde possam fazer vida». Apesar das limitações sentidas pelos habitantes, assegura que a junta tenta «satisfazer e dar apoio às necessidades da população em tudo em que tem disponibilidade».

Luís Mimoso acredita que «o interior é tão ou mais rico que o litoral» e que a sua aldeia ainda tem um grande potencial turístico. «Há cerca de 20 anos que é realizado o Festival de Parapente em Linhares, o que traz muitos turistas à nossa aldeia. Somos um dos melhores sítios a nível nacional e internacional para se praticar este desporto», assinala. O presidente da junta considera que a solução para assegurar a continuidade deste «museu ao ar livre» passa por melhorar a «imagem da própria aldeia para ajudar a trazer mais turismo ao interior».

Porém, a tendência de despovoamento desta aldeia é crescente e difícil de inverter. Nos últimos 30 anos, Linhares perdeu cerca de metade da sua população. Nos censos de 2011, foram registados apenas 219 habitantes. Em 2010, o Inatel reabriu a escola de parapente, mas os alunos eram poucos e acabou por fechar. Não há comércio local além de dois cafés e um restaurante. Há uma ou outra senhora que vende artesanato na rua porque as lojas também não resistiram.

Esta aldeia é o retrato de um Portugal composto por terras despovoadas ou de reduzido despovoamento por idosos. Locais onde rareiam as unidades de prestação de cuidados de saúde, escolas e infraestruturas elementares. Afinal, ainda compensa viver no interior?

Alexandra Mendes*

*Aluna de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Não há comércio local além de dois cafés e um restaurante

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