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Entre Deus e Mao Zedong

A «RETOMA» tão proclamada nunca mais põe os pauzinhos ao Sol. Há, mesmo, sinais alarmantes que ameaçam dar-lhe uma marretada. Mas os membros do Governo que temos acreditam em «milagres» e «amanhãs que cantam» e pedem a Deus e a Mao Zedong que os conserve no poder até que a «retoma» apareça. Nem que seja daqui a 10 ou 20 anos.

Dando largas a um fervor religioso que não coincide necessariamente com o fervor democrático, a inefável ministra das Finanças não hesitou em excomungar a oposição e em fazer esta pia invocação: «Deus nos defenda que os socialistas voltem ao poder, mesmo que seja daqui a muitos anos». Como que por «milagre», logo havia de «aparecer» em Fátima um folheto com o busto da Imaculada e estes tão seráficos dizeres: «Tem compaixão de Nossa Senhora. Com o teu voto não permitas que o Seu Filho seja posto fora da Europa!».

Nem eu sabia que o Filho também era para aqui chamado. Mas logo me lembrei de que o poeta disse, um dia, que Jesus Cristo «não sabia nada de finanças» (Fernando Pessoa) e que «Deus não percebe nada/ Das coisas que criou» (Alberto Caeiro). Fez-se luz no meu espírito – que não é santo! – e fiquei elucidado acerca do «milagre do défice». Está visto que a vocação deste Governo é a de «guardador de rebanhos». O inferno são os outros.

Os ecos da piedosa invocação da doutora Ferreira Leite e do seráfico panfleto não tardaram em fazer-se ouvir no X Congresso do PSD/Madeira. O inefável empresário que preside ao Congresso Nacional do PSD, doutor Manuel Dias Loureiro, conseguiu lobrigar na Pérola do Atlântico «o melhor que há na democracia» (o que será?) e considerou «difícil encontrar no mundo outro lugar onde a mão de Deus» (pois pudera!) «e a mão do homem» (Alberto João Jardim, está claro!) «tenham trabalhado em tanta sintonia». Deu, até, um salto em frente, desejando que Portugal «fosse, de Norte a Sul, uma imensa Madeira». Safa!

Saliente-se que o doutor Dias Loureiro chegou mesmo a falar de «revolução» (com «r») – «revolução dos factos, das obras e de quem quer sempre mais» – e é bem verdade que o doutor Alberto João Jardim quer sempre mais, sobretudo quando está sentado à mesa do Orçamento (do Estado e não apenas da Região). Claro que o «Kim Jong-il do Funchal» não se fez rogado, proclamando a urgência de uma «Revolução Cultural» e fazendo um apelo à mobilização da «vanguarda revolucionária». Até ameaçou abandonar a União Europeia, em 2008, se o cacau deixar de pingar, ou seja, se a UE não continuar a «suportar os custos das ultraperiferias». A «mão» do doutor Jardim é bem mais pesada do que a «mão de Deus».

Neste ambiente simultaneamente tão místico e tão revolucionário (lá se foi por água abaixo todo o esforço teórico e prático para eliminar o «r»!), não é de espantar que o doutor Durão Barroso tenha ido à Madeira dar um ar da sua velha graça «maoísta». Já depois de o inefável doutor Arnault ter apontado o doutor Jardim como «exemplo de ética e de dádiva à causa pública» (e que dádiva!), o camarada – perdão! – o doutor Durão Barroso não esteve com meias medidas e considerou-o um «grande patriota», enaltecendo a sua «coerência» e a sua «visão de Estado» (topam, não é?!) e agradecendo «tudo o que fez por Portugal» e «pela Madeira», que é, sem tirar nem pôr, «um dos maiores casos de sucesso em toda a Europa». Pouco faltou ao doutor Durão Barroso para proclamar: «Longa vida ao camarada Alberto João Jardim!». Mas conteve-se. O visado é que não conseguiu. Apesar de, como ele diz, não ser de «mariquices», o doutor Jardim ficou emocionado e verteu uma furtiva lágrima.

Três décadas após a sua fundação, continuamos sem saber se o «grande timoneiro» ideológico do PPD/PSD é Deus todo-poderoso ou o defunto camarada Mao Zedong, tal a variedade de discursos e personagens contraditórios que nele se cruzam, se acotovelam e se amontoam, como num albergue espanhol. Claro que Francisco Sá Carneiro é sempre muito invocado, mas porventura só na qualidade de Espírito Santo! No fundo, e com jeitinho, são capazes de caber lá todos, como no famoso camarote dos impagáveis «Irmãos Marx»!

Por: Alfredo Barroso

Rede Expresso

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