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Enquanto é tempo…

Anotações

A comercialização, nalgumas zonas do distrito da Guarda, de pedra aparelhada pertencente a casas ou a muros de prédios agrícolas, já motivou vários alertas sobre esta actividade lesiva do património rural e paisagístico.

A troco de escassos euros, esse material tem sido adquirido para posterior venda além-fronteiras, tendo como destino final a sua utilização no embelezamento de espaços verdes, jardins ou mesmo de novas construções.

A lacuna legislativa, nesta matéria, tem facilitado a saída de muitas toneladas de pedra e de elementos ornamentais e artísticos de considerável interesse patrimonial e afectivo, para as populações locais.

Embora, nos diversos casos registados, se possa argumentar com o rendimento dessa venda para os proprietários das terras de onde são recolhidos os materiais, ou com um melhor aproveitamento dessas pedras “sem qualquer interesse”, também é certo de que são receitas, regra geral, insignificantes; os lucros mais significativos vão, certamente, para os intermediários.

Aliás, é caso para perguntar: os intervenientes estão preocupados com a avaliação artística ou mesmo arqueológica que algumas dessas pedras podem ter associadas? …

Neste contexto de descaracterização das zonas rurais deparamos também com um progressivo desaparecimento – a imprensa por várias vezes deu já conta dessas ocorrências – de cruzeiros, antigos nichos, das “alminhas” (erguidas em tantos lugares de região e objecto de grande veneração popular), imagens retratadas em azulejos e tantas outras referências religiosas e culturais que bordejam muitos dos caminhos e estradas do interior.

Ao longo dos anos têm faltado medidas eficazes e a definição de competências, quase sempre com o argumento de insuficiência de meios financeiros; contudo, nos centros populacionais e áreas mais desenvolvidas temos assistido ao desenvolvimento ou lançamento de projectos cujos critérios não são proporcionalmente directos às reais necessidades dessas zonas…onde há, em teoria, maior número de votos.

A degradação de muito do nosso património tem-se acentuado de forma irreversível, facilitando a sua delapidação, o seu desaparecimento, contribuindo para a perda da identidade local e regional; são também conhecidos os casos de furto em ruínas de monumentos de arquitectura militar ou religiosa, dispersos por muitos sítios.

As deficiências ao nível da inventariação, da caracterização completa (actualizada), da monitorização do estado de conservação desses monumentos, a par do isolamento de alguns – ou da sua localização em zonas de reduzida circulação pedonal e rodoviária – contribuem, em larga medida, para o avolumar das dificuldades nas acções de protecção e salvaguarda desses testemunhos do passado.

Acresce, noutras situações, a indiferença e o comodismo das entidades oficiais, por mais que arvorem (em especial nos períodos eleitorais) a bandeira da defesa do património e da manutenção da nossa identidade cultural.

Existem imensos casos de vandalismo e de roubo dos nossos valores para se continuar numa atitude de passividade e contemplação, sem desencadear as medidas, para já as mais adequadas em tempo de crise económica, imprescindíveis para travar a espiral de empobrecimento do nosso património.

Numa zona tradicionalmente desfavorecida, o desaparecimento dos elos com o passado histórico e cultural contribuirá, indubitavelmente, para uma maior desertificação…se até as pedras nos levam!…

Por: Hélder Sequeira

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