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Encerrem o Interior Todo

Quebra-Cabeças

Lisboa teve direito à Expo 98, ao Centro Cultural de Belém, à CRIL, à CREL, a uma nova ponte sobre o Tejo, à expansão do Metro até aos concelhos limítrofes, a quilómetros e quilómetros de auto-estradas, a dois estádios novos para o Euro 2004, a biliões de contos de investimentos públicos. O Porto foi capital europeia da cultura, teve direito à Casa da Música, a novas travessias sobre o Douro, vai ter um metropolitano, teve dois estádios novos para o Euro 2004 e recebeu biliões em investimentos públicos. A Madeira tem tudo o que quer, basta-lhe berrar. O litoral, ou pelo menos a faixa do país que não está afastada mais de cem quilómetros da costa, está ligado de norte a sul em auto-estrada, recebeu todos os estádios novos para o Euro 2004, prepara-se para receber a primeira linha do TGV e terá um dia um novo aeroporto internacional.

Há uma parte do país que recebe o grosso dos investimentos públicos e das subvenções e comparticipações comunitárias enquanto o resto do país mirra, se degrada e, à falta de melhor destino, emigra para o litoral.

Daqui, do país que não conta, do país que tem fornecido de gente o litoral, sai-se. Saíram as delegações do Banco de Portugal, os quartéis, os investimentos, as empresas. Quanto a estradas, tivemos durante anos direito apenas ao matadouro do IP5. Quando a A23 foi concluída e ficámos de um dia para o outro à beira de tudo, logo se lembraram que era sorte a mais para nós e falam já em portagens. Agora que eles, no Portugal rico, se sentem parte da Europa desenvolvida, nós passámos a ser um embaraço. Agora que eles sugaram em recursos ao resto do país o conforto em que engordam, agora que podem pagar tudo e mais alguma coisa, falam no princípio do “utilizador/pagador” como se os outros, os da “santa terrinha”, também pudessem pagar.

O princípio da igualdade implica tratar desigualmente situações desiguais, implica efectuar discriminação positiva. Se o Interior conseguir sair do buraco em que actualmente se encontra, todo o país, e não só o Interior, tem a ganhar.

Se tivéssemos uma geração de políticos um pouco melhor, tanto aqui como em Lisboa, eles já se teriam apercebido do caminho que as coisas levam. Teriam estudos e teriam verificado nos gráficos, que entretanto teriam aprendido a ler, que é necessário fazer alguma coisa para que a actual linha descendente comece a subir, para que o actual processo de entropia tenha um fim. Quando se impuserem portagens na A25 e na A23, estarão a dizer-nos na cara que só teremos, a partir de agora (agora, que eles já têm tudo), o que pudermos pagar. Quando encerrarem maternidades umas atrás das outras por falta de viabilidade económica das respectivas unidades, dentro da lógica de lucro das sociedades anónimas hospitalares e da lógica de desertificação que entretanto provocaram, estarão a abrir o caminho para o encerramento de tudo aquilo que não der lucro nos hospitais e nos restantes serviços públicos – e serão quase todos.

O problema destas políticas e destes políticos é que a sua cegueira, o seu egoísmo e a sua estupidez têm consequências. Cada vez há menos argumentos para pessoas e empresas se deslocarem para cá e cada vez há mais incentivos para o abandono da região. Por outro lado, e aqui temos um círculo vicioso, se a região perde população perde eleitores e, sem peso eleitoral, então perdem definitivamente o interesse em nós.

Por: António Ferreira

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