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Emigração e recursos humanos

A mercantilização desenfreada de setores da sociedade portuguesa de especial complexidade está a deixar uma pesada herança para as gerações vindouras. No sector da saúde, por exemplo, a atual desorganização nos recursos humanos que, ainda por cima, afeta e contamina a formação médica pós-graduada, poderá ter resultados ainda imprevisíveis, mas certamente prejudiciais. Tudo porque nos últimos anos, e mesmo perante os numerosos alertas da Ordem dos Médicos e de outros agentes do setor, o Ministério da Saúde, que regula e tutela o setor, esqueceu (ou desvalorizou de forma irresponsável) o estudo e a planificação das necessidades de recursos humanos do nosso país.

A verdade é que, concomitantemente com esta gritante desresponsabilização, a palavra “emigração” ganha cada vez mais destaque no léxico dos médicos e de outros profissionais de saúde enquanto o país perde profissionais de excelência. Ora por falta de condições de trabalho e de uma carreira médica estimulante, ora pela fusão e extinção de serviços, muitos médicos deixaram de ter tempo para a formação dos mais novos. A esta realidade desgastante, soma-se também a impossibilidade de muitos jovens médicos gorarem as expectativas no acesso a uma especialidade. Por estes e outros fatores, a emigração não estanca e não estancará nos próximos tempos.

A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, atenta a este crescente fenómeno com forte impacto nas políticas públicas de saúde, decidiu criar o Gabinete de Apoio ao Médico Residente no Estrangeiro. Só nos últimos dois anos emigraram 869 médicos de todo o país. Procuram melhores condições de trabalho cada vez mais difíceis de obter em Portugal, mais reconhecimento pelo seu esforço e dedicação. Paradoxalmente há milhares de pessoas sem médico de família e faltam médicos em várias especialidades e várias áreas carenciadas do país. Não podemos esquecer os que emigraram nem desperdiçar o seu talento. Um dos principais objetivos desse Gabinete é fomentar o seu regresso a Portugal, ajudando os que o pretendem fazer e pressionar o Ministério da Saúde não só para estimular os médicos aposentados a regressar à vida profissional, mas também estimular os médicos que deixaram Portugal a voltar ao Serviço Nacional de Saúde.

Há sinais de alarme e os alertas sucedem-se. Urge passar à ação: planear e organizar os recursos humanos, recuperar as instalações dos centros e saúde e das unidades hospitalares degradadas, investir em material básico, proporcionar o regresso dos médicos ao Serviço Nacional de Saúde entre muitas outras medidas

A Medicina portuguesa desenvolveu-se com médicos altamente diferenciados, dedicados e empenhados. São o verdadeiro suporte do sistema de saúde.

Os bons exemplos devem perdurar e o SNS é um dos nossos melhores “ativos”.

Por: Carlos Cortes

* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos

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