Arquivo

Emendar a emenda

Orlando, Florida, um bar gay, 100 vítimas, 50 mortais. O assassino, de ascendência afegã, reclama-se do Estado Islâmico, mas o seu móbil foi a homofobia. Não fosse a homofobia, seria racismo ou qualquer outra diferença. Foi por ódio à diferença que agiu. Ou por ódio a si mesmo por não saber conciliar consigo a existência de outros. Apenas sabe que encontra no seu ódio a força para premir um gatilho que dispara, sem falhas, dezenas de balas em instantes. E sabe, no momento do horror do massacre, que o seu grande ódio se tornou odioso.

A pergunta a fazer é: como pode um Estado permitir que o ódio conviva com armas à sua altura? Como pode ignorar que as leis, por princípio, são violáveis e que uma vez violadas apenas ficam os argumentos da força e da brutalidade que se começou por permitir? O terrorismo, a religião, o fundamentalismo não disfarçam a verdadeira natureza do problema. Ódio sempre houve e haverá em todas as sociedades. É uma fraqueza demasiado humana para termos a pretensão de a superar. Mas armas autorizadas à medida dessa fraqueza é uma característica da sociedade norte-americana. Por que é permitido o porte de armas com tanto poder de matar?

Os Estados Unidos são um país que se distingue de muitas maneiras, mas uma das mais peculiares é a forma como historicamente se construiu. Muito menos a partir de um Estado forte do que da força e da perseverança de quem se aventurou adentro de um território imenso. Quem viu “The Revenant”, o filme que valeu, no ano passado, o óscar de melhor realizador a Alejandro González Iñárritu e o de melhor ator a Leonardo DiCaprio, percebe depressa porque foi indispensável à construção territorial da nação norte-americana a licença de porte de arma e a organização por civis de uma defesa armada.

Há, pois, uma tradição e logo uma que se liga com a construção do país concreto que são os Estados Unidos. Compreende-se que os sectores mais conservadores da sociedade americana sejam sensíveis à questão. Mas os tempos avançam. O “Far West” já não fica longe. Há muito tempo que o Estado nos Estados Unidos se encarrega da segurança dos seus cidadãos, seja no plano dos condados, seja no plano dos Estados, seja no plano federal. A facilidade de acesso a armas por indivíduos privados já não obedece a nenhum direito à defesa.

Em 1815, ainda era muito jovem a Constituição norte-americana, o filósofo Benjamin Constant escreveu: «É contra a arma e não contra o braço que é preciso reprimir; há massas demasiado pesadas para as mãos dos homens». Não o disse a propósito da 2ª Emenda, até porque é um pensador liberal que visava com as suas palavras o excesso de poder do Estado. Mas, o seu pensamento também vem a propósito tratando-se do excesso de poder do indivíduo. Sobretudo quando poder significa poder de matar. Era tempo de emendar a Emenda.

Por: André Barata

Sobre o autor

Leave a Reply