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Em Sarilhos

Conseguimos melhorar muito as nossas vidas à conta do Euro e da União Europeia. Os juros ficaram muito mais baixos e suportáveis e tudo parecia estar ao alcance das bolsas mais fracas. Os valores da inflação desceram tanto que o preço das coisas deixou (quase) de ser tema de conversa. O facto de passarmos a usar uma moeda forte, tornou acessíveis viagens e importações antes proibidos. Os EUA, por exemplo, com o euro a um dólar e meio, passaram a ser um destino barato, com preços abaixo dos praticados por cá. O petróleo, porque comprado em dólares, parecia mais barato do que era na realidade. Os produtos alimentares, de tão baratos que eram lá fora, deixou de compensar produzi-los cá. O parque automóvel melhorou tanto que parecíamos todos ricos e toda a gente comprou casa e, endividando-se um pouco mais, mobílias novas e a condizer. Com as transferências do Fundo de Coesão, com tantos e tantos milhões para os políticos distribuírem, governar passou a ser fácil. Passou também a ser fácil aos políticos prometerem coisas, e até parecia simples cumpri-las, que havia dinheiro a rodos e, se o não houvesse, havia quem o emprestasse com gosto e a juros ridiculamente baixos. Também podiam dar empregos e deram-nos, aos milhares, às centenas de milhares, ao ponto de ponto de a maioria dos portugueses terem passado a depender, directa ou indirectamente, do Estado. Os políticos, entretanto, não se mostravam muito preocupados com o facto de importarmos muito mais bens do que exportávamos, o que implicava um endividamento geral crescente para apenas mantermos o nosso nível de vida. Aquilo que era evidentemente uma loucura generalizada, uma corrida desenfreada para o abismo, era tratado por muitos como direitos adquiridos. Não interessava se era impossível continuar a garantir esses salários, essas pensões, esses postos de trabalho e, muito menos, interessava saber se todo o sistema podia continuar a funcionar assim.

Hoje, com os défices astronómicos dos países do Sul e com a estagnação geral da economia, o Euro é uma moeda ameaçada. Sem união política, com um pacto de estabilidade rígido, com países a correr a velocidades diferentes e sem um mecanismo de socorro mútuo (o Tratado da União tem uma cláusula de “no bailout”), começa-se a dizer que o Euro, apesar de irreversível, não tem futuro e, pior ainda, que nem sequer deveria ter sido criado nos termos em que o foi (Krugman, por exemplo). Sair agora do Euro era ainda pior: entre nós disparariam os juros e a inflação; a perda imediata de valor da nossa moeda provocaria o empobrecimento geral; teríamos então de importar petróleo e alimentos (e estes já não os produzimos) a preços proibitivos; não teríamos forma de pagar o muito que devemos ao estrangeiro e entraríamos inevitavelmente em bancarrota. Estamos outra vez em sarilhos, e grandes, e nem sequer dependemos apenas de nós para os resolver.

Por: António Ferreira

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