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Eles falam

Tresler

“E não te podes calar?”

(Juan Carlos, rei de Espanha, numa cimeira há alguns anos atrás)

1.Quando a informação é em grande quantidade e o recetor não tem capacidade de a absorver toda, a reação pode ser de saturação ou mesmo de desespero. Se queremos ser informados q.b. e as vozes são mais que muitas à nossa volta com diferentes timbres, intensidades e tons, todas cheias da convicção da verdade, a confusão que resulta dura até ao momento de dizermos que basta e não queremos ouvir mais. As campanhas eleitorais, com a pluralidade de vozes políticas a bradar, às vezes já no limite da afonia, não são assim momentos de grande esclarecimento. A polifonia chega ao cume como cacofonia. É assim que se vivem os comícios, as arruadas, os debates, vistos do lado de fora. Do lado de dentro, há muito para dizer no palco em pouquíssimo tempo, com o relógio na mão e os olhos nas câmaras de televisão; e há na plateia a coreografia ensaiada e a máquina bem oleada.

O discurso político nestes momentos de confronto tinge-se de dramatismo e frases feitas. Conteúdo o menos possível, gestos largos e arroubos de voz, apelo ao instintivamente básico. Quanto às solicitações dos media, a receita para os candidatos é tentar desviar as perguntas sem resposta; potenciar três ou quatro mensagens-chave; aceitar mostrar os hábitos e o íntimo, acabando por abrir as portas de casa aos jornalistas.

2.As campanhas fazem-se também de silêncios. Cada um tem os seus. Os partidos do “arco governativo” silenciaram o famoso Memorando colocando-o entre parênteses durante a campanha. Para além do mérito que possa ou não ter esse programa, o grau de exigência que ele configura está claramente a ser esquecido nestes dias. E este gesto dos partidos leva a que os eleitores vivam ainda a ilusão (até ao dia 6) que aquele documento não existe (até porque está em inglês). E que essa ilusão seja também de que as coisas “não vão ser tão más assim”. E que o que lá está não é para cumprir e que os nossos governantes vão saber dar a volta “àquilo”. A fome dos homens providenciais (milagreiros) em Portugal tem levado os líderes, eleição após eleição, a disfarçarem as dificuldades, a conseguirem apesar de tudo prometer coisas, com os ouvidos a ficarem satisfeitos do otimismo reinante.

Há por assim uma zona de vazio em que convém não entrar. O centro-esquerda de Sócrates não consegue nem alijar as culpas da situação nem responder como mantém direitos, privilégios e Estado social gastando igual ou menos; a extrema-esquerda do PCP e do BE nem tenta explicar como arranjaria dinheiro para pagar ordenados e pensões sem pedir ajuda financeira ao estrangeiro e mantendo os mesmos gastos de hoje ou gastando (de preferência) ainda mais, sempre cedendo às corporações; o PSD não consegue explicar a ideia de que é alternativa tendo tão pouco para prometer, já que promete apenas rigor e poupança e com n políticas por definir; a direita de Paulo Portas fala de poupança mas todo o discurso é de forte despesismo em áreas simpaticamente nacionalistas, a agricultura, a segurança e as forças armadas. Que candura!

3.”Eles” é o pronome mais abjeto que se ouve no cidadão anónimo dos inquéritos de rua. Quando alguém diz “eles”, já sabemos que vem acusação da grossa e que essa acusação nos afasta “deles”. “Eles” são os políticos que não suportamos serem da mesma carne que a nossa. Queríamos milagreiros, super-homens, pessoas a resolver os problemas sem nos inquietarem. Mas “eles” não existem. Porque “eles” somos nós, com todos os jeitos ou trafulhices que cada um de nós pede ou faz ou compreende no nosso pequeno mundo. O pronome não é assim marginalizável. Quem seja melhor que se chegue adiante ou proponha regras que também seja capaz de cumprir.

4.A justiça tem cada uma! Então não é que os pequenos partidos ganharam na sua pretensão de terem o direito de aparecer na televisão em formato de debate com todos os outros!? Já imaginaram uma mesa de debate de hora e meia com 17 fulanos a quem são dados 5 minutos para falar frente aos seus adversários (ou duas rondas de 2 minutos cada um)? Prático, não é? E porque não debates dois a dois com todos os adversários? A crença nos milagres da TV e a ilusão de ter um deputado são os dois logros destes partidos que não sabem que primeiro têm que crescer na sociedade, em ações regulares de temporadas inteiras, a perder tempo e dinheiro e a acreditar que as suas ideias farão o seu caminho. Conquistar terreno não é com eles. Em nome de uma pseudo-igualdade, querem o terreno dado. Façam-se os debates e, já agora, adiem-se as eleições até os debates acabarem.

Por: Joaquim Igreja

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