Saí de casa para ir à Estrela ver a neve com o meu veículo todo-o-terreno utilizando, para isso, os caminhos florestais. O ponto de acesso habitual é no Alto de Famalicão. Subi e depois desci para o Sameiro para aceder ao Poço do Inferno, via Verdelhos. Estava um dia belíssimo de sol, típico de olho de tempestade, a qual me deu tréguas suficientes para regressar a casa. A fraga do Inferno apresentava um caudal substancial, resultado desta semana de água patrocinada pela tempestade Emma. Anda tudo muito mais feliz: pastores, agricultores, empresários, autarcas, munícipes. A água é o bem mais precioso e ainda bem que cai abundantemente e continuará a cair durante esta semana. Tiradas as fotos obrigatórias neste geossítio, continuei a subida por terra até ao cotovelo que antecede a nave de Santo António. Até aqui a única vivalma que encontrei foi o meu amigo Pedro no Poço do Inferno. Foi ver se conseguia obter mais umas fotos fantásticas com que nos costuma presentear no Facebook.
Entrado na estrada que liga ao ponto mais alto da Estrela logo me arrependi, pois a habitual procissão para ver a neve, para a qual estava também a contribuir, já se vislumbrava ao longo da bela estrada serpenteante que recorta a serra. Muitos pára-arranca depois cheguei ao cruzamento a 1.950m que me salvou do caos tendo empreendido de imediato a descida para o Sabugueiro. Estava quase livre dos trenós e sacos de plástico que poluem este local. Contei dezenas de autocarros que, com a língua de fora, lenta e pacientemente subiam e aguardavam para descarregar a preciosa carga humana e seus respetivos garrafões de tinto e salgadinhos. A GNR, campioníssima, lidava como podia com todo aquele aparato automotivo.
A poucos quilómetros do Sabugueiro saí do asfalto e finalmente entrei em terra e regressei à paz. É uma dor de alma ver toda a devastação que os fogos de 15 de outubro causaram também neste Parque Natural. Dali ao vale do Rossim foi relativamente rápido e a volta começou a fechar com o regresso via Covão da Ponte, fantasticamente rematada com uma paragem no posto de vigia da Azinha, que, do alto dos seus 1.250 metros, constitui uma varanda com vista deslumbrante para o maciço central pintado de branco e para o vale do Zêzere lá em baixo. Era hora de beber o café quente, que cinco horas antes tinha despejado na garrafa térmica que levei comigo. Fez-me lembrar o anúncio da Nestlé dos anos 90: um carro, um indivíduo, um café quente e a banda sonora de Jimmy Cliff. Tudo perfeito.
No entanto, uma imagem que me assaltou ali e durante o trajeto foram as marcas profundas, erosivas, danificantes, lesivas dos caminhos de terra, que indivíduos sem consciência cívica insistem em deixar com os seus veículos de duas e quatro rodas. A descrição relativamente detalhada da minha jornada prende-se com a necessidade de alertar para o facto de que o privilégio de fazer livremente 100 km em estradas de terra em pleno Parque Natural (a nível individual, não coletivo) pode estar a acabar, como já acabou há muito, em muitos países da Europa, como resultado da irresponsabilidade de alguns. Indivíduos batizados por muitos de “Patroleiros”, armados de pneus cardados e motores vitaminados, em veículos altamente modificados, juntamente com os motociclos todo-o-terreno, têm um efeito devastador nos caminhos agrícolas e florestais com ou sem brita compactada, acelerando a sua degradação, prejudicando a deslocação de muitos e obrigando a intervenções onerosas e antecipadas. A somar a isto há ainda as saídas criminosas dos trilhos que degradam a vegetação interferindo com a biodiversidade.
Estes indivíduos que normalmente atuam em bandos, movidos a álcool e muita testosterona, entram em competições ocas como quem compara o tamanho dos órgãos genitais e fazem asneiras, até em passeios autorizados, nas barbas das autoridades, contribuído assim para que, mais cedo ou mais tarde, este enorme privilégio passe a ser proibido. Têm, assim, atitudes de “elefante em loja de porcelana”, de chegar e partir tudo, as quais vão custar a todos.
Por: José Carlos Lopes