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Eis a rentrée

Jogo de Sombras

O enredo é reles e os actores também não são grande coisa. Mas traz um presságio de algazarra demorada. Não será propriamente aquilo que se chama rentrée mas irá escaqueirar o sossego da nossa vida pública de todos os dias: adivinha-se tocaia barulhenta na próxima sessão da Câmara da Guarda. Todo o executivo – com a excepção de Crespo de Carvalho, que soube pôr-se a coberto da refrega – se encontra suspenso nas recíprocas encomendas de renúncia. Maria do Carmo Borges começou a pedir a demissão de Ana Manso e Luís Costa, do PSD, e estes endossaram o embrulho a toda a vereação do PS. Uns deviam sair porque tiveram a atitude pouco democrática de abandonar a última reunião quando o resultado de uma votação não lhes conveio. Os outros deviam resignar porque transformaram a gestão autárquica, de uma forma geral, num caos. O que se passou, na realidade? Foi que a última reunião ordinária coincidiu com os compromissos que ambas as senhoras tinham em Lisboa. Maria do Carmo Borges encontrava-se no grupo dos 55 presidentes de câmaras que, à mesma hora, fazia o relatório dos prejuízos da vaga de incêndios. E Ana Manso estava anunciada para fazer a despesa da conversa, em nome do PSD, numa interpelação no Parlamento ao Ministro da Saúde. Não foi, no entanto, por ter que se fazer à estrada que a vereadora propôs, mas viu chumbado, o adiamento da reunião: foi, oficialmente, porque havia assuntos agendados cuja carga política exigia, segundo ela, que a presidente conduzisse os trabalhos. O caso pode ser visto de dois ângulos. Um é que Ana Manso se esquivou a entrar, sem amparo, em discussões que não domina. Facilmente se percebe que Crespo de Carvalho é a charneira da oposição, quem melhor se prepara e tem exibido maior e mais sereno poder de argumentação. Ana Manso limita-se às declarações políticas finais à imprensa, invariavelmente enrubescidas pela conjugação aleatória do conjunto de expressões-chave que cristalizou como preceitos do discurso, seja qual for o mote: o «executivo socialista»; as «pessoas da nossa terra»; os «anos e anos de atraso»; a «arrogância»; a «atitude autista»; e o «abuso de poder». Outro ângulo é o da possível conveniência da agenda, na perspectiva dos vereadores do PS. Estando Maria do Carmo Borges ausente e por isso livre de assumir responsabilidades, Crespo de Carvalho de férias e Ana Manso apenas de passagem, nenhum tipo de polémica se levantaria em torno do plano de negócios da Plataforma Logística, da revisão do orçamento ou do lançamento de uma taxa sobre resíduos urbanos – que era o mais importante que estava para discussão. Mas ao terem saído porta fora daquela maneira intempestiva, depois de votada por maioria a continuação da reunião, os dois vereadores do PSD puseram-se a jeito. Primeiro ofereceram de bandeja um facto político a Maria do Carmo Borges, que brilhou com o desafio à demissão de ambos. E depois descarrilaram na réplica, quando insinuaram que a autarca estaria a viver uma fase de «desequilíbrio» (o que, nas circunstâncias pessoais que se conhecem, foi de extremo mau-gosto). Eis a rentrée: desengane-se quem pense que a política passará da frugalidade.

Por: Rui Isidro

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