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Efluentes tingem de branco rio Távora

Problema já é antigo, mas continua sem solução à vista

A Associação de Protecção da Natureza (APN) do Concelho de Trancoso decidiu alertar a opinião pública para aquilo que qualifica de «atentado ambiental no rio Távora», afluente do Douro e cuja nascente está naquele concelho. Tudo por causa de descargas de efluentes, alegadamente, de uma empresa de lacticínios. O problema já é antigo, mas continua sem solução à vista. Todas as entidades competentes já foram avisadas, mas não deram qualquer resposta a uma situação que se arrasta há quase 20 anos.

Na manhã do último sábado, Jorge Proença, dirigente da APN, andava a fazer o reconhecimento de percursos pedestres quando se deparou com «um cheiro nauseabundo» no Boco, junto à localidade de Montes, na freguesia de Santa Maria, em Trancoso. As águas estavam com uma «coloração branca, de aspecto viscoso e com flocos de espuma láctea» a correr em todo o leito do rio. «Não enganavam ninguém», conta. Como a situação não era nova, concluiu «de imediato» que seria mais uma descarga de efluentes não tratados da empresa Lactovil – Lacticínios de Trancoso. No mesmo dia, Jorge Proença chamou ao local uma equipa do Serviço de Protecção da Natureza (SEPNA), do destacamento da GNR de Pinhel, para dar conta da ocorrência. Depois do Boco, subiram o Távora e posteriormente a Ribeira do Vale Azedo, passando pelas localidades de Venda do Cepo, Rio de Moinhos, Sintrão, até à Ribeira dos Alacrários, na Quinta das Pousadas. Junto à Fábrica constataram que os efluentes são depositados em cinco lagoas interligadas de dimensões consideráveis e construídas antes de 1999. «Esperava que, nas duas lagoas mais baixas, os efluentes passassem por uma rudimentar “estação de tratamento” com dois pequenos tanques e daí para o riacho. Mas não», garante.

A descarga é feita directamente de uma lagoa «através de um sistema rudimentar, que, por rego aberto, corre para o lameiro e encontra o riacho 200 metros mais abaixo», refere. No entanto, «não foi realizada uma recolha de água para análises», queixa-se o responsável, por não ser da competência dos agentes enviados ao local. A estes cabe-lhes apenas o levantamento visual e testemunhal da situação, que é depois comunicada à Direcção Regional do Ambiente para os respectivos procedimentos legais. «Estamos à espera que as entidades competentes façam alguma coisa», acrescenta o presidente da APN, cansado de alertar para o sucedido e de não receber qualquer resposta.

Um grito de ajuda

O rio Távora «é envenenado logo à nascença por descargas de efluentes lácteos» daquela empresa de lacticínios, o que já é prática comum há cerca de 20 anos, denuncia o presidente da associação ambientalista. E o líquido viscoso e com espuma que se espalha por «vários quilómetros» é uma ameaça à «vida biológica e amedronta as pessoas» pela impossibilidade de utilização da água do rio, acusa Jorge Proença. As localidades de Sintrão, Rio de Moinhos, Venda do Cepo, Montes Boco e, mais abaixo, de Vila Novinha e Benvende são as mais afectadas pela poluição. A última descarga terá acontecido há cerca de quinze dias, segundo um pastor que ali guardava o seu rebanho com cautela «para que nenhuma ovelha ou cabra fosse beber daquela água», indica. Para Jorge Proença, esta situação é um «escandaloso atentado à humildade, serenidade e passividade das populações locais». É que após as várias denúncias, «não temos conhecimento da empresa ter procedido de forma diferente relativamente ao tratamento dos seus efluentes», lamenta. Por isso, a APN decidiu fazer um apelo de divulgação junto da opinião pública: «Esperamos que este alerta ajude a resolver o problema», aguarda. António Oliveira, vice-presidente da Câmara de Trancoso, não ficou surpreendido com a circunstância, que considera «recorrente» naquele ponto do concelho. Porém, o problema terá «que ser resolvido pelas entidades competentes», caso do actual Instituto do Ambiente, considera o vice-presidente. “O Interior” tentou contactar a administração da Lactovil, o que não foi possível até ao fecho desta edição.

Patrícia Correia

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