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Edifício da APAE divide covilhanenses

Projecto contemporâneo do arquitecto Nuno Teotónio Pereira é amado por uns e odiado por outros

O edifício da Associação de Pais e Antigos Estudantes (APAE) da Campos Melo, projectado pelo arquitecto Nuno Teotónio Pereira, está a dividir as opiniões na Covilhã. As linhas modernas e contemporâneas da obra são consideradas pela grande maioria da população como uma «agressão» aos prédios dos séculos XVIII, XIX e XX e um grande contraste face os quatro edifícios do Estado Novo (Câmara, Caixa Geral de Depósitos, Portugal Telecom e Teatro-Cine da Covilhã), classificados no ano passado pelo IPPAR como Imóveis de Interesse Público. Por outros, é admirado precisamente por marcar a diferença como obra do século XXI.

O escultor Moreira Neves é um dos que opina contra a opção escolhida para a Praça do Município, considerando ser «agressão» por não haver enquadramento com os restantes prédios. «Não estou a dizer que o edifício da APAE está mal feito, mas está mal para aquele local», frisa o escultor, para quem o imóvel leva a questionar a própria praça. «Chegamos a questionar o que é que está mal ali. Se calhar deve ser a Câmara. Ou então é mesmo aquele prédio», interroga-se, considerando haver uma «certa falta de sensibilidade» para conjugar esteticamente as coisas. E cita como exemplo as alterações feitas ao projecto inicial na rotunda da Praça do Município, concebida pela escultora Irene Buarque. «Foram colocados dois sinais de trânsito e uma coroa de flores no centro. Se fosse essa a intenção da escultora, ela tinha-as colocado», critica Moreira Neves, para quem deve haver um respeito pelas «orientações» dos escultores e projectistas. A implantação do edifício também não agrada a Jorge Fael. O que o choca mais é a «parede cega virada para a Praça» e o «não acompanhamento da curva» em que a obra está situada. O deputado municipal da CDU diz-se mesmo preocupado com o futuro do edifício degradado que acolhe a confeitaria Lisbonense, datado do século XVIII, e que está mesmo junto ao da APAE. «Corre-se o risco de que venha a ser a continuação do prédio da APAE quando for abaixo e que leve a mesma parede branca com mais uns graníticos», critica.

Já para Paulo Monteiro a única questão que se coloca é a preservação da fachada do edifício do século XVIII, por ser a «única referência na cidade ao pelourinho original», que foi sempre uma «área de mutação». De resto, não o choca «ver o novo e o antigo» lado a lado, até porque é um edifício com «grande qualidade» arquitectónica. «Tomara que os edifícios na zona nova da cidade tivessem a qualidade deste», insiste, colocando como única ressalva o alinhamento do passeio na Rua Ruy Faleiro. Também o arquitecto Pedro Seixo Rodrigues acha que o edifício se «enquadra» na Praça, apesar de ter uma «imagem contemporânea». Facto que não o choca, até porque o Pelourinho está repleto de edifícios de várias épocas e estilos, pelo que era crucial que esta obra marcasse um «afastamento do passado e se afirmasse como um edifício actual do século XXI». Ainda assim, considera não haver ruptura com a envolvente por haver um alinhamento em altura.

«As flores são um atentado ao projecto e à escultura da Praça»

O objectivo de Nuno Teotónio Pereira, autor do projecto e também da obra da nova Praça do Município (inaugurada em 2002), foi seguir a «tradição de diversidade de estilos» que caracterizam o lugar. «Existem casas do barroco ao Estado Novo, e outras até modernas, já da década de 80. Portanto, tínhamos que fazer um edifício do século XXI, próprio da sua época», justifica, admitindo que o importante era «manter a mesma linha de contemporaneidade e modernidade que caracterizaram a praça ao longo dos séculos». Daí que não podia limitar-se «às coisas do passado». As críticas não incomodam o arquitecto, visto ser algo a que «já está habituado». Nuno Teotónio Pereira, sobejamente conhecido pelas obras realizadas durante o Estado Novo, já sabia que algumas pessoas não iriam entender o projecto. Segundo conta a “O Interior”, o próprio autarca Carlos Pinto colocou algumas reservas: «Quando mostrei o projecto fez uma observação dizendo que o edifício era uma coisa muito moderna e que não se enquadrava na praça. Eu respondi que os prédios desta praça sempre foram feitos para marcar as várias épocas e estilos».

Com um total de quatro pisos, o edifício foi projectado para manter a mesma altura do da confeitaria Lisbonense, tapando assim uma brecha resultante do facto de ser inicialmente muito baixo. Na sua opinião, a única ruptura existente na praça são o «excesso de flores» nos gradeamentos e no centro da escultura. «Não gosto nada. As flores são um atentado ao projecto e à escultura que ali foi feita», confessa a “O Interior”, criticando também os sinais de trânsito fixados à volta dos pilares do monumento. «O objectivo era que não se percebesse que era uma rotunda e a sinalização era desnecessária se fossem reforçados os pré-avisos de rotunda», diz. “O Interior” tentou contactar o autarca Carlos Pinto para apurar a sua opinião sobre a edificação, mas tal não foi possível até ao fecho da edição.

Liliana Correia

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