A cidade da Guarda já foi linda. Valia a pena visitá-la. Havia harmonia nesta cidade de granito em que as árvores, desde a Mata à Praça Velha aos jardins, quebravam a austeridade e lhe conferiam vida. Era uma cidade que tinha o aconchego das gerações antes de nós e que ao longo de várias décadas foram destruindo.
Esperança era-nos agora dada por esta oportunidade de requalificação com fundos europeus. Mas, infelizmente, não: mais delapidação está em curso. É por isso que hoje digo “Basta!”. Não escrevo em nome de ninguém exceto de mim própria.
No processo de requalificação iniciado pelo atual executivo da Câmara Municipal, o PEDU (Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano) inclui projetos que degradarão irreversivelmente a face da Guarda. Trata-se de um plano global de cerca de 15 milhões de euros que nem foi submetido a consulta pública nem, tanto quanto se sabe, à fiscalização prévia do Tribunal de Contas. O que tornou isto possível? Foi o facto de este mega projeto, que, apresentado na totalidade, pelo seu valor obrigaria a uma consulta pública e a uma fiscalização prévia, ter sido parcelado em sub projetos.
De entre os projetos que irão prejudicar mais a Guarda, o seu ambiente e a qualidade de vida dos seus cidadãos, destacam-se dois:
– Projeto do Parque: Um parque em que se aniquila, sem recuperação, um prémio nacional de arquitetura, destruindo o nosso património cultural e se prefere encher o chão de betonilha “para não sujar os sapatos”; um parque em que as árvores não “estão podres”, ao contrário do que disse publicamente o Sr. Dr. Álvaro Amaro, e se abatem árvores saudáveis ou recuperáveis (das 37 em questão diz o novo estudo do Prof. Luís Martins, da UTAD, que apenas 4 não são recuperáveis); um parque para o qual não há um plano de tratamento fitossanitário de recuperação; um parque em que se faz subir aos 10 metros uma floresta de colunas de betão que afronta todos os que vão ao parque para estarem longe do que é cidade – enfim, um projeto que é um verdadeiro atentado à sensibilidade ambiental e perante o qual a única sensação que resta é a de ter sido feito não por necessidade de manutenção das árvores e do equipamento mas para arranjar maneira de se gastar dinheiro comunitário e fazer um figurão;
– Projeto do Jardim José de Lemos: Um jardim do início do século XX destruído, talvez por se considerar já muito velho, que passa a ser revestido de moderna roupagem verde e branca, com lancis de metal pintados (sem sustentabilidade como era o caso da pedra, pois passam a precisar de manutenção); bancos em forma de caixão, de pedra fria e incómoda, mas bastante caros, sim, esses sem necessidade de manutenção mas que facilmente deixarão de pé qualquer idoso que se quiser lá sentar; piso em betonilha branca pronta a ficar suja como o já nojento pavimento da Praça Velha; buxo arrancado com crianças a escapulirem-se facilmente para a rua; bancos de madeira tradicionais e ergonómicos relegados ao lixo; quiosque tradicional sumido. Mais uma vez o património da cidade destroçado. Ficámos sem o nosso jardim acolhedor onde talvez sujássemos os sapatos mas podíamo-nos apoiar no encosto relaxante dos bancos tradicionais de madeira. Quem quererá vir visitar um jardim em modelo de “tipo chapa 3”?
Quanto aos restantes projetos apenas temos perguntas e aguardamos, muito inquietos, as surpresas! Como terão planeado gastar cerca de 40 mil euros na envolvente da capela de S. Pedro? A destruição de um muro carismático já aclimatado ao sol e ao frio, em frente da Igreja barroca da Misericórdia, também dá pano para mangas em termos financeiros: não será apenas destruído mas sobre os seus restos será lançado um… anfiteatrozinho? Será de bruto cimento? Será de incaracterístico granito polido? E como se poderão gastar mais de 200 mil euros no chafariz da Dorna e sua envolvente? O plano de arquitetura anterior do “Quintal Medroso” agradou quando foi aplicado. Não se poderia agora recuperar? As “borboletas” a pairar sobre a Rua do Comércio não farão ruído demasiado quando a chuva forte bater nas suas “asas”? E se houver um fogo, os bombeiros chegarão facilmente às casas? Ou não fará diferença porque estamos numa onda de “embrulha e deita fora”?
Parece-me poder concluir que estamos perante a criatividade ao serviço não das necessidades efetivas dos cidadãos e sua cidade mas da necessidade desenfreada de gastar dinheiro (80% altruisticamente disponibilizado pela Europa para necessidades efetivas, 10% comparticipado pelo Estado português, ou seja, por todos nós, e restantes 10% pagos com o IMI dos egitanienses) e de mudar por mudar e se poder dizer que se mudou. Em última instância, gastar dinheiro para a glorificação de quem mandou fazer.
Mas políticas de desenvolvimento regional não aumentam a competitividade das regiões sem que se dediquem a preservar, com qualidade, o que lhes confere uma das razões mais fortes para o seu desenvolvimento, que é o seu património histórico, ambiental e cultural.
A Guarda não teria sido digna de um concurso nacional ou internacional para escolha do projeto mais adequado à reabilitação de uma cidade com características históricas? Mas se é tarde demais para esse procedimento, pelo menos há esperança de que possa haver abertura para alterar alguns destes projetos.
Luísa Queiroz de Campos, Guarda
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