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E o que é feito do amor?

o que há para ver

Após uma trilogia musculada (Heat/The Informer/Ali) e um policial virtuoso onde Tom Cruise quase foi super-herói (Collateral), Michael Mann regressa à série que produziu entre 1984 e 1989, “Miami Vice”, etapa sublime da TV americana dessa década. Todos se recordam ainda da dupla multicolor do “Vice”, os detectives James “Sonny” Crockett (Don Johnson) e Ricardo “Rico” Tubbs (Philip Michael Thomas), das suas aventuras solares, daquela Florida dos anos 80 com descapotáveis e mini-saias, tudo a derramar toneladas de nostalgia que o espectador engolia em seco no fim de cada episódio. “Sonny” caía de quatro pela “girl next door”, “Rico” era mais misterioso, mas não menos romântico. O que sobra aqui dos anos 80? Nada. O filme é inteligente a jogar com a memória que temos da série, mas cedo nos leva para outro sítio, muito mais negro e violento, para a noite escura, com uma profundidade de argumento e personagens à caça da tragédia. Jamie Foxx substitui Philip Michael Thomas, Colin Farrell substitui Don Johnson. Transformam-se ambos em “toupeiras” no mundo do narcotráfico. O primeiro ama Trudy (Naomie Harris), que está no lado do bem. O segundo “flirta” com Isabella (Gong Li), que está no lado do mal. Não se conta o resto: no trabalho de “mise-en-scène” de Michael Mann, a história desliza sem se dar conta, corre tudo muito depressa, quando damos por isso já batemos com a cabeça na parede. «Onde queres ir?», pergunta um. «O que queres beber?», responde o outro. Já não se escrevem diálogos assim.

Em “Miami Vice”, já não sabemos bem onde estamos, olhamos finalmente para trás porque sempre olhámos para a frente, perguntamos o que falhou e pensamos: como é que se diz adeus a um grande amor? Este filme só fala disto. Provavelmente, só há uma forma de o fazer. Descobrir essa forma, sair do terreno a tempo e horas, fechar a porta e partir, permanece um dos grandes mistérios da vida a dois. “Sonny” e “Rico”, naquele final vitalista onde os heróis se movem como nos “westerns” de Peckinpah, criaturas angustiadas como há muito não víamos na Hollywood que temos, vão ser obrigados a dizer adeus, de formas bem distintas, numa altura em que a paixão de um e o “flirt” do outro já estão misturados na mesma massa confusa. Para os dois homens, o prazo já passou. O amor já foi, já acabou, “gone with the wind”. Parece que o mundo vai acabar ali. Não é fácil dizer adeus a um dos melhores filmes do ano.

Por: Francisco Ferreira

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