Arquivo

«É extremamente importante tornar o nosso território atrativo e competitivo»

Entrevista a António Robalo, presidente da Câmara Municipal do Sabugal

P – O concelho do Sabugal é o segundo mais extenso do país, mas é também um dos que mais tem sofrido com o êxodo rural. O que pode fazer um autarca para contrariar a desertificação, ainda para mais num município cuja população é das mais envelhecidas do país?

R – Ao longo de muitos anos houve um esforço enorme dos autarcas do distrito e do concelho para fazerem obras e criarem novas expetativas para os residentes no sentido de captarem população, mas a verdade é que mesmo com novas estradas, piscinas, pavilhões municipais, polidesportivos, centros culturais e centros interpretativos, as pessoas vão embora na mesma. Conclui-se então que a base da fixação de pessoas é sempre o posto de trabalho e a possibilidade de criarem riqueza e rendimento. É por aí que a nova geração de autarcas tem de trabalhar, no sentido de captar investimento – que não é fácil –, atrair e mobilizar pessoas para que criem emprego e se fixe gente. No entanto, é muito fácil dizer que se vai atrair investimento, mas podemos andar 15 ou 20 anos a dizê-lo sem o conseguir. É extremamente importante tornar o nosso território atrativo e competitivo e é isso que vamos fazendo…

P – O próximo quadro comunitário vai ajudar nessa estratégia?

R – Sim. Eu diria que territórios como o Sabugal podem tentar inverter esse quase desígnio de meio século de desertificação e despovoamento indo precisamente ao encontro das suas origens e dos seus recursos. Temos que conseguir aproveitar essas vantagens competitivas e fazer com que esses recursos sejam atrativos para que gente empreendedora pegue neles, os desenvolva e crie postos de trabalho, mas tem que haver um trabalho conjunto dos autarcas destes territórios para identificar essas potencialidades e disponibilizá-las a potenciais investidores. Por outro lado, o Quadro 14-20 vai ter que criar o financiamento e as linhas de apoio necessárias para que essas empresas e esses empreendedores se coloquem no território e tenham a possibilidade de financiar os seus projetos e as suas ideias.

P – O emprego será a vossa meta?

R – É. Aliás, qualquer município que hoje não trabalhe um programa de desenvolvimento económico e de empregabilidade perde o comboio desta procura e desta urgência que é captar esse potencial empreendedor.

P – No caso do Sabugal, para além do que tem sido feito, há algum projeto que neste momento possa servir de âncora?

R – Hoje trabalha-se muito com marcas. Um território competitivo atualmente é aquele que consegue ter marcas diferenciadoras e o Sabugal tem algumas. Desde logo, as suas tradições, das quais se destacam as capeias, mas temos outras. Temos um capital de património natural como o rio Côa e a Serra da Malcata, bem como património construído e edificado de aldeias medievais com muita história que é necessário valorizar e revitalizar. Temos também outros recursos importantes, como a água, quer a que juntamos na barragem do Sabugal para abastecimento público de outros territórios, quer a água termal como fonte saúde e bem estar, quer como sinónimo de desporto, lazer e turismo.

P – As Termas do Cró são uma das grandes apostas do concelho?

R – Têm sido um grande investimento e uma grande aposta do município. O Parque Termal do Cró é um polo de desenvolvimento e de atratividade. Com o balneário termal já concessionado e agora com a construção do hotel, dentro de meio ano o Cró terá criado 40 postos de trabalho, o que é muito importante para um concelho como o Sabugal. Felizmente, fomos assertivos na forma como trabalhámos a construção das termas e até ao momento não nos sentimos defraudados pelo concessionário que encontrámos. A Natura Empreendimentos SA tem uma visão integral do território e sabe perfeitamente que não pode limitar a sua ação às quatro valências que temos ali, mas que tem que pensar em estratégias de utilização de outros espaços e de outras valências do concelho.

P – Que apoios à natalidade há no concelho do Sabugal?

R – O Sabugal foi dos concelhos que mais emigrantes deu e costumo dizer que outro dos nossos ativos importantes é um conjunto de serviços à terceira idade de excelência. Há neste momento cerca de 30 instituições que trabalham com a terceira idade e o fazem com qualidade. Estas pessoas deixaram o concelho na década de 60 e hoje sentem que o Sabugal fez um investimento enorme em infraestruturas de terceira idade para que regressem com segurança no gozo da sua reforma e isso é importante para nós. É outra área de intervenção em que o concelho acaba por ser líder na região porque consegue atrair e prestar serviços aos idosos em excelentes condições.

P – O concelho do Sabugal tem muitos emigrantes. Até que ponto é que essa massa de pessoas tem uma relação próxima e vive intensamente o que cá se passa?

R – A relação com os emigrantes mantém-se pelos atrativos, pelas tradições e por aquilo que os apega ainda à sua terra e ao concelho. As capeias são âncoras importantes para trazer todos os anos aqueles que têm alguma ligação ao Sabugal. Temos exemplos de concelhos em que o divórcio entre a diáspora e os residentes é hoje enorme e isso não acontece no nosso município. Passadas estas décadas, e apesar de ser já a segunda ou terceira geração de emigrantes, eles continuam a vir no mês de agosto, no Natal e na Páscoa para visitarem a família, mas também porque há laços fortes de tradições que os amarram a este território. Penso que para os emigrantes que regressam todos os anos é um reforço da sua auto-estima o facto de serem interventivos na organização das manifestações populares que acontecem no concelho. Todos aqueles que sentem essa ligação ao Sabugal fazem questão em participar, em serem parte ativa neste espetáculo da capeia e nas festas religiosas, por exemplo.

P – Como vão decorrer este ano as Capeias? Há alguma novidade?

R – Como todos os anos, esperamos sempre que haja mais e melhor. O facto da classificação da capeia como património cultural imaterial e de interesse municipal e de estar registada no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial desde 2011 fez com que, por um lado, as pessoas se consciencializem da mais-valia deste espetáculo único, mas por outro lado temos a responsabilidade de preservar e de fazer com que a capeia se mantenha o mais próximo da tradição e da sua originalidade.

P – Está otimista então em relação à participação das pessoas?

R – Estou porque sendo a capeia um fenómeno de cariz, génese e organização popular, a Câmara Municipal não participa na organização. A capeia é uma atividade que está de tal modo enraizada na vida das freguesias e aldeias que não precisa que seja a Câmara a impulsioná-la e a dar-lhe subsídios atrás de subsídios para que sobreviva. As coisas ocorrem com naturalidade e a Câmara, quando dá algum apoio e trabalha com as mordomias, fá-lo com o intuito de acrescentar, de complementar e não com o objetivo de amparar ou de fazer com que não cresça.

P – A Câmara preparou também a candidatura da capeia arraiana a património cultural imaterial da Humanidade. É uma ambição mais difícil de concretizar?

R – É óbvio que isso é extremamente difícil. Temos que ter os pés assentes na terra e saber exatamente onde jogamos. Foi uma vitória enorme o facto de termos essa classificação no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, até porque foi a primeira a nível nacional. Neste momento há outra apenas. Desde 2011 temos sido solicitados por muitos municípios e entidades para mostrarmos e falarmos o nosso modelo e o que foi feito para conseguirmos esse galardão. Nós temo-lo feito, colaboramos sempre com o Instituto dos Museus e da Conservação, com a Direção Geral da Cultura e com as Câmaras Municipais que nos solicitam e é também obviamente uma forma de promovermos e de darmos a conhecer a capeia.

P – Quais serão os dias mais entusiasmantes para convidar os visitantes a virem ao concelho do Sabugal?

R – O nosso concelho é enorme. Nesta altura, um dos motivos para as pessoas virem ao concelho são as capeias, os touros e todas essas emoções. A primeira capeia decorreu ontem na Lageosa da Raia e a última é no dia 25, em Aldeia Velha. Entre os dias 6 e 25 há um conjunto enorme de atividades à volta das capeias, mas temos também as festas populares, o rio Côa e os seus belíssimos espaços de lazer. A outros níveis, convido as pessoas a usufruírem também da Reserva Natural da Malcata, a visitarem os cinco castelos da Raia e a terem a curiosidade de conhecer o nosso concelho. Depois, há também grupos e jovens que organizam manifestações mais excêntricas que podem ser consultadas em qualquer plataforma.

P – O festival “Oh Forcão Rapazes” também já é uma tradição?

R – Sim, é um festival que se realiza desde 1986 e que vai decorrer dia 16, no Soito. Envolve nove das onze localidades que estão classificadas no Património Cultural Imaterial, são as mesmas que participam desde o início do festival. Haverá nove touros, um para cada localidade, e é sobretudo um dia de convívio entre todos os amantes das capeias. Este ano é na praça do Soito, que é municipal. Nos últimos anos o festival tem sido feito alternadamente em Aldeia da Ponte. Neste festival é mais fácil arranjar lugar porque se faz em praças com bancadas em betão, ao contrário dos festejos mais tradicionais e onde é muito difícil conseguir um lugar.

P – Pegou ao forcão no seu tempo?

R – A minha aldeia [Ruvina] é daquelas que nunca teve capeia. Está ao lado, “cheira” as capeias mas nunca teve. Eu já peguei em experiências mais ou menos fugazes porque amigos solicitam e outras vezes porque sei que estou protegido por um conjunto de pessoas que me dão essa segurança. De qualquer forma, é uma situação que se vai desenvolvendo, é um hábito que começa com tenra idade e que os jovens desenvolvem e, estando em freguesias com tradição, é com naturalidade que eles pegam o forcão.

P – A Câmara do Sabugal tem em mente dois projetos: o centro interpretativo do contrabando e também o centro interpretativo da capeia. Como é estão essas ideias?

R – Há um projeto que está a ser desenvolvido neste momento pela freguesia de Aldeia da Ponte, que o candidatou ao eixo 3 do PRODER, através da Pró-Raia, que é precisamente um Centro Interpretativo da Capeia. Aquilo que lancei como desígnio e que gostaria de conseguir implementar no concelho era precisamente concentrar num edifício todas estas originalidades, criando um espaço que pudesse alavancar esses valores do contrabando, da emigração e da capeia. Estamos a falar de três marcas extremamente importantes do concelho e há um projeto que a Câmara Municipal tem idealizado, mas que ainda não houve oportunidade de candidatar a fundos comunitários. Infelizmente, cada vez me parece mais longe a possibilidade deste tipo de projetos culturais e de promoção turística serem apoiados, mas vamos persistir e continuar. É um projeto que denominámos “Fronteira de Memórias”, está praticamente concluído, idealizado e sabemos o que queremos fazer. No fundo, esta fronteira de memórias seria uma estratégia de promoção turística do concelho através de recursos como a capeia, o contrabando e a emigração. São ideias que vamos cultivando e desenvolvendo e esperamos que um dia vejam luz. O mesmo quero fazer com um projeto a desenvolver com Penamacor, aproveitando a Reserva Natural da Malcata e a Rede Natura 2000 que temos no concelho. É o “Linx Park”, um parque cultural e patrimonial do Alto Côa, e pretendemos aproveitar a mais-valia ambiental e patrimonial da região.

P – É o que está mais adiantado nesta fase em termos de estruturação?

R – Esse é um projeto que acaba também por ser uma estratégia promocional e de valorização desse património natural do concelho, quer ligado à biodiversidade, à geodiversidade e a todas essas situações do território. São estratégias que se vão construindo e que é possível ir complementando com a experiência e os anos de trabalho e dedicação a um território. Não são coisas que apareçam de um dia para o outro porque, felizmente, a experiência vai-nos dando também a noção clara daquilo que é o “trigo e o joio”, do que são apenas palavras de circunstância e intervenções claras e objetivas e práticas no território.

Sobre o autor

Leave a Reply