Em pouco mais de três anos, José Sócrates pôs em causa quase todo o património político do Partido Socialista. Com a aprovação do novo Código do Trabalho, aniquilou um adquirido fundamental: a excepcionalidade das leis laborais, que assumem que neste mercado não há igualdade possível e que cabe ao Estado defender, antes de mais, a parte fraca.
Alimentando o culto da autoridade, Sócrates despreza a sociedade civil e, acima de tudo, os sindicatos, apesar de o sindicalismo ser, em toda a Europa, o berço dos partidos socialistas e sociais-democratas dignos deste nome. Sendo avesso à negociação, Sócrates vê a construção de consensos sociais com cada sector profissional como um sinal de fraqueza. Usa uma velha estratégia, que colhe simpatia na direita nacional: a do populismo que se alimenta do ressentimento, aproveitando a vulnerabilidade dos trabalhadores do sector privado para nivelar todos por baixo, tratando os direitos conquistados nas últimas três décadas como privilégios.
Com a mesma frequência com que é forte com os fracos, Sócrates é fraco com os fortes. Poucos foram os governos tão permeáveis às pressões do poder económico, de que o caso do BPP é apenas o último exemplo.
A verdade é que José Sócrates é um elemento estranho à esquerda portuguesa e que o PS, por culpa própria, é refém deste homem sem memória.
Perante este cenário, tem razão Manuel Alegre quando diz que está chegado o tempo de reconfigurar a esquerda portuguesa. Depois de décadas de impossibilidade de diálogo, a reconfiguração começou com a transformação de pequenos partidos radicais num partido de dimensão média e com um espectro social e ideológico mais abrangente. Aí foi quebrado o tabu que garantia a incomunicabilidade entre as esquerdas.
Mas o Bloco é curto para mudar de forma radical o mapa político. É preciso que uma parte significativa do que foi a base social do Partido Socialista construa o seu próprio espaço, seja ele um partido ou qualquer outra coisa. Aprendendo, no entanto, com a experiência do PRD: são de evitar organizações personalistas e mais capelinhas à esquerda.
A convergência, com autonomia, do espaço de uma esquerda mais radical e dos socialistas defensores do património do Estado Providência é a única forma de garantir uma mudança duradoura, capaz de se bater pelo poder.
Discordei e discordo muitas vezes de Manuel Alegre. Mas ele é hoje o protagonista de um sector político relevante para o conjunto da esquerda. Cabe-lhe dar um passo fundamental. Mas um passo que o ultrapasse no tempo e na sua área de influência. Que queira mais do que a sua própria entronização. E cabe ao Bloco, o partido que à esquerda do PS conseguiu, com erros e acertos, ultrapassar a cultura sectária herdada do PREC, estar disponível para esta mudança sem precedentes.
Veremos se os actores estão à altura deste momento histórico, que nunca foi tão favorável para uma viragem à esquerda. E se conseguem construir, com cautela, sem triunfalismos ou aventuras inconsequentes, e para lá da mera táctica conjuntural, um caminho. Este é o momento em que ficamos a saber onde acaba a retórica e começa a coragem serena.
’SHOTS’
Ele aí está outra vez. Santana Lopes é como o fim do mês. Está sempre a tentar voltar para nos deixar mal de finanças.
Um jornalista iraquiano atirou dois sapatos a Bush. Finalmente ficámos a conhecer as famosas armas de destruição maciça que os iraquianos tinham escondido.
Por: Danel Oliveira