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E a terra que se lixe

Coisas…

A leitura do artigo de João Cândido da Silva no Público do último sábado, remeteu-me para o blogue Causa Nossa da autoria, entre outros, de Ana Gomes, a famosa e polémica dirigente socialista. Ambos malham, e de que maneira, em Pina Moura e no facto deste acumular o seu lugar de deputado com o de administrador e representante máximo em Portugal da Iberdrola, empresa espanhola concorrente da nossa EDP, onde o Estado detém (ainda) 25% do capital. Por outras palavras, quer João Cândido da Silva, quer Ana Gomes, se indignam com esta acumulação de funções públicas e privadas por um ex-governante e representante eleito da nação.

Sem me deter muito nos aspectos éticos da questão e no desafio que este tipo de jogadas representa para a nossa democracia, levanto aqui uma outra questão, provavelmente muito menos interessante para os leitores do Público mas que tem que ver com todos nós, os que ainda vão resistindo e sobrevivendo pelas terras do interior: refiro-me, naturalmente, ao pormenor de Pina Moura ter direito ao seu assento no parlamento à custa de uma candidatura pelo círculo da Guarda.

Não é já a primeira vez que abordo aqui aquele que considero ser um dos aspectos mais ingénuos e simultaneamente mais perversos do nosso sistema democrático: a forma de representação do povo nos órgãos de soberania. O facto de, em eleições legislativas, cada um de nós ser obrigado a votar em partidos que escolhem para candidatos quem muito bem entendem (tudo numa lógica de estratégia politico-partidária), leva a que na realidade não estejamos a eleger verdadeiramente o nosso representante junto do poder central, mas sim a contribuir para a alimentação de uma elite que cria as suas próprias regras de subsistência e de perpetuação nesse mesmo poder. Daí que o caso de Pina Moura seja apenas um entre muitos e nos leve a concluir que, independentemente do candidato ser este ou qualquer outro (Eusébio, Garcia Pereira, Bibi ou Miguel Frasquilho), desde que leve o rótulo do PS ou do PPD, tem lugar garantido no parlamento. E, desculpem-me a expressão, a terra que se lixe.

Neste caso concreto, e num momento em que a Guarda atravessa problemas tão complicados, não podemos de facto esperar que alguns dos seus representantes mais bem colocados na hierarquia do poder, percam tempo a pensar em questões tão pequenas quando as Iberdrolas e as EDPs se atravessam no caminho. Só para dar um exemplo, quantas horas por ano perderá Pina Moura a pensar na forma de impedir que a maternidade da Guarda encerre? A simples pergunta dá vontade de rir, não é verdade?

Reconheço que tudo isto não passa de um desabafo sem qualquer tipo de ilusão. Daqui a uns anos haverá nova eleição, novos (ou os mesmos) pára-quedistas e a gente aqui da terra recebê-los-á alegremente, dando-lhes guarida por 15 dias durante a campanha eleitoral e permitindo que vivam felizes no desdobramento entre o escritório das iberdrolas a poltrona do parlamento. E a terra que se lixe.

Por: António Matos Godinho

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