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Duas efemérides na cidade da saúde

Anotações

No corrente mês assinalam-se duas efemérides relacionadas com o complexo senatorial que foi, durante décadas, um ex-libris da mais alta cidade portuguesa

“Aos dezoito dias do mês de Maio de mil novecentos e sete, num dos edifícios recentemente construídos no reduto da antiga Quinta do Chafariz, situada à beira da estrada número cinquenta e cinco, nos subúrbios da cidade da Guarda, estando presentes Sua Majestade a Rainha Senhora Dona Amélia (…), procedeu-se à solenidade da abertura da primeira parte dos edifícios do Sanatório Sousa Martins e da inauguração deste estabelecimento da Assistência Nacional aos Tuberculosos, fundada e presidida pela mesma Augusta Senhora (…)”.

Assim ficou escrito no auto que certificou a cerimónia inaugural da referida estância de saúde, da qual, por muitos e diversos motivos, resta hoje uma pálida imagem. O Sanatório foi, ao longo de muito tempo, o grande cartaz de propaganda da Guarda. Nos principais textos, ou publicações de divulgação desta cidade, aquela unidade sanatorial merecia sempre grande destaque.

“Situado a 1 039 metros sobre o nível do mar, possui todas as comodidades e confôrto modernos reclamados pela higiene no tratamento dos doentes que sofrem de tuberculose pulmonar, anemia, fraqueza orgânica, impaludismos, etc (…).Três grandes pavilhões para doentes de 1ª, 2ª e 3ª classes; um pavilhão de isolamento para doenças intercorrentes; seis chalets para famílias que prefiram viver independentemente; a séde da Farmácia e do novo Pôsto radiológico para diagnóstico e tratamento; um chalet à entrada do Sanatório para os serviços de escritório e da Administração e, finalmente, o edifício destinado à Lavanderia a vapor e rouparia, montada segundo processos mais modernos, tendo anexa a casa das desinfecções provida de uma grande estufa Geneste Haerscher e de todo o material exigido num estabelecimento desta natureza (…)”.

Na memória de muitos, estas palavras desdobram múltiplas imagens, recordações e outrossim o inconformismo perante a degradação em que se encontra o complexo dos edifícios mais antigos do ex-sanatório, votado ao abandono, numa agonia lenta.

Um dia, quando as entidades e os organismos responsáveis acordarem do entorpecimento em que parecem estar (a falta de verbas já é um argumento gasto; se noutros projetos há soluções estudadas ou aplicadas neste caso havia igualmente fórmulas passíveis de serem aplicadas) será tarde demais. E o ex-Sanatório Sousa Martins, é importante não esquecer, faz parte da história da Guarda.

Em condições diferentes está o principal bloco do atual Hospital, inaugurado em 31 de Maio de 1953, com a designação de Pavilhão novo do Sanatório.

A inauguração, prevista inicialmente para 28 de Maio de 1953, ocorreu três dias depois, com a presença dos Ministros do Interior e das Obras Públicas. A imprensa da cidade deu especial relevo ao acato, apresentando o novo pavilhão como “um edifício gigantesco com 250 metros de comprido e com 350 leitos destinados exclusivamente a doentes pobres”.

Com a construção deste novo pavilhão, o Sanatório Sousa Martins procurou aumentar a capacidade de resposta às crescentes solicitações das pessoas afetadas pela tuberculose, ampliando assim o seu papel na luta contra essa doença.

É que o elevado número de doentes com fracos recursos há muito fazia sentir a necessidade de dotar esta conhecida estância sanatorial com novas instalações, pretensão que os responsáveis pelo Sanatório Sousa Martins tinham já manifestado ao Ministro das Obras Públicas, aquando da sua visita, à Guarda, em 1947. As obras do novo pavilhão foram iniciadas quatro anos depois.

A entrada em funcionamento deste pavilhão era aguardada com compreensível expectativa, mormente por quem trabalhava no Sanatório Sousa Martins. O seu Diretor, Dr. Ladislau Patrício – que nesse mesmo ano deixaria essas funções, bem como a sua atividade clínica – definiu o edifício como “um novo e valioso instrumento na luta em defesa da saúde pública do país”.

Na Guarda viveu-se mais um dia festivo. “Cerca do meio-dia, a estrada que conduz ao Sanatório tornara-se um rio de gente”, noticiou o jornal A Guarda. O Pavilhão Novo constitui, de facto, um marco importante na história do Sanatório Sousa Martins, instituição que não pode, de forma alguma, ser dissociada da Guarda do século XX.

Recordar estas duas efemérides é anotar a importância da salvaguarda desta memória viva onde, no presente, prossegue a atividade hospitalar. Conciliar os rumos exigidos pelo progresso com a especificidade destes edifícios (acaso alguma das comitivas partidárias que estão já no terreno com as bandeiras eleitorais foi já visitar a totalidade do Parque da Saúde?) será contribuir para o reencontro com décadas em que a Guarda conquistou, justamente, a designação de cidade da saúde.

Por: Hélder Sequeira

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