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DSK e a preguiça dos julgamentos populares

Dominique Strauss-Kahn tinha tudo para ser o vilão. Homem, poderoso e com histórias mal contadas no seu passado. A imigrante guineense tinha tudo para ser a vítima. Mulher, imigrante, trabalhadora e pobre. Seria difícil não ficar do lado dela quando tudo na vida o beneficiou a ele. Só que quando acusamos alguém de um crime grave não estamos a falar de personagens ou de metáforas. Estamos a falar de pessoas e de factos. E às vezes os que têm tudo para ser vilões são vítimas e os que têm tudo para ser vítimas são vilões.

Escrevi, quando o chefe do FMI foi detido: “Não me vou meter nos alegados crimes de Dominique Strauss-Kahn. Logo se verá se é culpado. Muito menos fazer tentadoras metáforas que misturem o sucedido com a atuação do FMI, que além de serem de mau gosto tendem a baralhar o que é política e o que está fora dela”. Não mudou nada na minha posição, porque se trata de um princípio jurídico em que acredito: todas as pessoas são inocentes até prova em contrário. E acredito ainda mais neste princípio quando se tratam de crimes desta natureza, em que a prova é tão difícil de se fazer. E ainda mais quando eles envolvem situações com repercussões políticas que permitem ganhos para a terceiros.

Pode ser que Strauss-Kahn seja, mesmo com tudo o que se ficou a saber sobre o comportamento da alegada vítima, culpado. Pode ser que seja culpado mas as coisas tenham sido, do ponto de vista criminal, menos graves do que a acusação inicial. Pode ser que seja totalmente inocente. Pode ser que, sendo inocente, tenha sido vítima da ganância de uma oportunista. Pode ser que, sendo inocente, seja vítima de um golpe para para o retirar da corrida à presidência francesa. Ou para o retirar da direção do FMI, onde avançava com algumas reformas e tinha uma posição mais moderada do que o habitual.

Os que, como de costume, se apressaram a exibir as suas certezas sem precisarem de mais do que a palavra de uma pessoa são pessoas perigosas. São elas as responsáveis pela multiplicação de julgamentos mediáticos que põem o futuro de pessoas, de países e de organizações nas mãos de gente sem escrúpulos. São elas que pressionam os tribunais para mandarem prender inocentes. São elas que não hesitam em acusar de “cumplicidade” todos os que pedem o mais elementar dos direitos: o de um julgamento sério com todas as garantias.

Caso a culpa de Strauss-Kahn se confirme, terá valido a pena esperar pelas provas necessárias. Caso a sua inocência se confirme, não regressará, com toda a certeza, para a direção do FMI e, se as coisas demorarem demasiado tempo, terá perdido as eleições presidenciais francesas. Em Portugal, já vivemos um episódio semelhante a este. Ao ler e ouvir os justiceiros do costume, perguntei-me se aprendemos alguma coisa com o passado. E imaginei o que aconteceria a Strauss-Kahn se a coisa fosse em Portugal e ele tivesse de esperar anos para ouvir uma sentença.

Uma coisa é certa: quem procura alcançar a justiça social na barra de um tribunal criminal não se limita a alimentar um equívoco. Alimenta a pior forma de fazer política. A que se faz na lama. E fá-lo por preguiça. Fazer o debate político com argumentos políticos é muito mais difícil.

Por: Daniel Oliveira

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