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Dois italianos contra a Europa atual

A Europa segue polarizada. Polarização é uma palavra que veio para ficar. E as divisões não tendem a diminuir. Adensam-se. A história recente do projeto europeu é feita de uma geometria retórica ainda mais variável do que a linguística de Jorge Jesus. François Hollande, eleito contestatário das políticas de austeridade, fez tal cambalhota programática ao ponto de defender, agora, uma política que «não coloque em causa o ajustamento alcançado».

Em discordância com este ajustamento, no domingo, o ministro da Economia francês, Arnaud Montebourg, foi afastado, levando outros consigo. Manuel Valls, o primeiro-ministro, foi obrigado a constituir novo Governo, menos de meio ano após a constituição do agora cessante. Hollande, paladino dos socialistas, nunca acreditou no que dizia. Acreditava que isso o levaria ao Eliseu. E foi quanto bastou. As consequências estão aí.

A atual Europa encontrou em Matteo Renzi, primeiro-ministro de Itália, o verdadeiro contrapoder. O italiano vê na actual conjuntura a imprescindibilidade de uma aposta no crescimento. Tomou a liderança da Europa do sul, dita periférica, e encarnou sozinho o que, primeiro, Sarkozy e Zapatero, depois Hollande e Rajoy, não conseguiram. Impor, ou pelo menos tentar, uma mudança de perfil a uma Europa crescentemente uniformizada, sem que ao modelo único corresponda equivalente grau de integração. Passos Coelho nunca quis.

O governante italiano ganhou um novo aliado. O também italiano Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, abandonou a defesa da austeridade e pediu medidas acomodatícias para a economia. Draghi diz que, por si só, o banco central pouco pode fazer. Pede, agora, aos países da Zona Euro para adoptarem medidas de estímulo económico.

Mas Angela Merkel não está disposta a ceder e arregimentou um novo partidário do status quo europeu. O líder espanhol, Mariano Rajoy, assumiu-se como seguidor da chanceler em troca do apoio alemão ao nome do atual ministro da Economia de Espanha, Luis de Guindos, para próximo chefe do Eurogrupo.

Madrid não quer ser periferia, como Portugal não quis ser a Grécia. Rajoy realça os bons resultados das reformas estruturais, muitas delas «delineadas em proximidade com Berlim». Renzi, a reboque da presidência italiana da UE, insiste em mudar esta «Europa de vistas curtas». Defende «uma Europa de, e para os cidadãos». Pode parecer demagogia, mas o italiano aposta tudo na reviravolta. Mostrou isso mesmo no Parlamento Europeu e nas conversas com Merkel.

Matteo Renzi, produto de uma esquerda moderna, sem preconceitos ideológicos nem complexos classicistas, crítico das bafientas guerras de retórica do «eu sou mais de esquerda do que tu», que dominam os partidos socialistas do sul europeu, e um reformista sem clichés progressistas, é quem encarna o papel de revitalizador do sentimento europeu que vem quebrando à custa da imposição do modelo germanizado. Renzi não é salvador. Resta esperar que, juntamente a Draghi, seja o catalisador.

Por: David Santiago

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