Primeiro Cenário: Pagamos. Muito fácil de dizer, mas com juros a quase seis por cento não é fácil mostrar como. Ainda por cima prevê-se uma recessão na economia, com uma diminuição acentuada da produção de riqueza, quando só para pagar os juros era preciso que crescesse em vez de diminuir, e em seis por cento ao ano. Por isso, se não vamos ser capazes de pagar os juros, mais difícil ainda vai ser para nós pagar o capital. Por isso também, quando dizemos que pagamos, queremos apenas dizer que vamos honrar a dívida enquanto nos for possível. Durante quanto tempo? Pouco. E o que acontece depois? Vamos declarar que não pagamos, ou que pagamos menos, ou que pagamos mas a uma taxa mais baixa e por um prazo mais longo. É o que a Irlanda e a Grécia estão a fazer, depois de verificarem que era impossível cumprir as condições que lhes foram impostas pela Troika. Um problema é que isto é o mesmo, ou pouco menos, do que declarar bancarrota. Isto é: quando dizemos que pagamos, sendo impossível pagar, estamos a mentir e a adiar apenas o inadiável.
Segundo Cenário: Não pagamos. Levamos à falência uns poucos de bancos alemães (bem feita!) e boa parte dos especuladores que nos ajudaram a chegar a isto (bem feita também!). É verdade que vai haver outros especuladores, muitos, que apostando na nossa falência acabam por acertar no Jackpot. Vão também falir boa parte dos bancos portugueses, expostos em dezenas de milhares de milhões de euros à nossa dívida pública. Uma primeira consequência é que vamos deixar de ter crédito, para o Estado primeiro, mas também para as empresas e as famílias. As empresas exportadoras vão ser das mais afetadas, pesadas utilizadoras como são do crédito bancário, em seguros de créditos, factoring, e muitos outros produtos bancários destinados a protegê-las contra atrasos de pagamento e riscos de incumprimento ou acesso a matérias primas. A curto prazo, sem financiamento e com um défice crónico, o Estado vai deixar de cumprir os seus compromissos. Depois da banca, vão ser os fornecedores os primeiros a sofrer. A seguir serão os funcionários públicos, e o atraso no pagamento dos salários vai tornar-se crónico. Mais tarde ou mais cedo seremos expulsos do Euro, ou convidados a sair. Ou então vamos fugir dele. O escudo trará inflação e diminuição nominal da dívida interna, mas não da externa, que vai continuar a estar titulada em euros (o que seria um problema gravíssimo se não tivéssemos decidido já não a pagar, lembram-se?). As convulsões sociais vão ser permanentes e todos os afetados pela crise vão passar boa parte do seu tempo na rua, a protestar. Um dia, alguns ou muitos deles, por exemplo militares com salários em atraso, vão manifestar-se de armas na mão.
Como vêem ambos os cenários passam pela verificação de que, mais tarde ou mais cedo, vamos concluir que não podemos pagar as nossas dívidas nos termos contratados. Antes disso talvez concluamos primeiro que o Euro, como está, serve apenas para os alemães venderem carros em condições ótimas para os seus próprios interesses. O ideal seria que outros países concluíssem o mesmo e verificassem estar no mesmo barco que nós.
Por isso, talvez o melhor cenário seja algo entre os dois que sugeri, aproveitando o ensinamento de Bogoljubow, um já falecido Grande Mestre de xadrez, que ensinava que “a ameaça é mais forte do que a sua execução” – uma admirável solução para o velho dilema: ter o bolo ou comê-lo?
Por: António Ferreira