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Dias Perfeitos

Sábado grande para o Benfica. O motivo da festa foi a inauguração da nova Luz. Acompanhei-a através das imagens da TVI (10 horas de transmissão!). Os pontos fortes e mais emotivos da noite foram os cânticos e a descida em picado da águia imperial, em voo controlado em direcção ao centro do relvado. O estádio marca uma grande diferença em relação ao anterior. As suas linhas são mais suaves. A inclinação menos pronunciada. Desapareceu o terceiro anel. Mas ganhou-se em amplitude. Da relva, a parte mais esquecida mas mais importante para uma prática de nível, tive em determinados momentos do jogo, a sensação de que lhe iria acontecer o mesmo que aconteceu à relva do Sporting, mas lá se aguentou, pelo menos por agora. Para lá do que aconteceu no plano puramente desportivo, a inauguração ficou marcada pela valente vaia dada ao primeiro-ministro Durão Barroso. Seria interessante do ponto de vista sociológico aprofundar as razões de tal vaia. Sabendo-se da história que envolveu o financiamento do estádio e as promessas de Vilarinho em apoiar a candidatura de Durão nas legislativas, parece uma contradição esta vaia.

Depois, quase sem descanso, na manhã de domingo, deslocação a Pinhel. O objectivo era acompanhar Saramago na visita a Cidadelhe e ajudar à festa do lançamento do vinho “O Cidadão de Cidadelhe”, uma iniciativa da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos da Beira Serra. A festa em Cidadelhe foi bonita e singela. Por contraponto à do estádio da Luz eram só umas dezenas de pessoas. Mas para Cidadelhe, terra alcunhada de “calcanhar do mundo”, foi um dia de festa a lembrar os tempos de outrora, em que a terra era cabeça de concelho. Também aqui, tal como na Luz, se vislumbraram algumas colagens. Mas para o sossego de todos, os discursos foram parcos e não se registaram vaias. Na presença do “santo de orelhas grandes” foi possível ouvir Saramago relembrar a sua visita de há vinte e tal anos e a forma como as pessoas lhe tinham aberto o seu coração ao permitirem-lhe observar o famoso pálio. Logo a seguir e perante o espanto de muitos foi possível observar em toda a plenitude o famoso manto, obra de arte, de tecido vermelho (como não podia deixar de ser) tecida a ouro e enriquecida de diamantes, tão ciosamente, e em segredo, guardado pela pequena comunidade da aldeia. Também o vinho, ao exemplo da águia benfiquista, soube ocupar o seu lugar de príncipe da festa. À prova revelou-se um vinho de carácter. Com laivos de complexidade, que só são conseguidos em vinhos de eleição. Talvez um ano de envelhecimento lhe aflore ainda mais as notas de fruta e lhe atenue um pouco o sabor das barricas de carvalho em que estagiou. Tratar assim um vinho é aproximarmo-nos da perfeição.

Por: Fernando Badana

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