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Diário Interior

16 de Outubro

No Diário Interior publicado hoje registei alguns dos acontecimentos surpreendentes dos quinze dias anteriores. No entanto, apesar da exaustiva lista apresentada, acabaram por me escapar dois dos acontecimentos mais invulgares dos últimos anos, ocorridos precisamente nesse espaço de tempo: a eleição de Schwarzenegger para governador da Califórnia e a vitória do Benfica numa competição europeia. Aos leitores mais preocupados com a proximidade do Fim do Mundo, as minhas sinceras desculpas.

17 de Outubro

Compro a revista Os Meus Livros. Vários escritores falam do seu primeiro livro publicado. Lídia Jorge diz que “[a sua] verdadeira ambição é escrever livros que entrem na categoria de livros que valem a pena ser lidos”. Nós também esperamos que algum dia escreva qualquer coisa que valha a pena ser lida. Ou que valha a pena ser Lídia, se quisermos usar um jogo de palavras caro à autora.

18 de Outubro

Gera-se um enorme reboliço à volta das escutas telefónicas e do segredo de justiça. Sobre as escutas telefónicas tenho a dizer que me parece falta de educação ouvir as conversas seja de quem for e falta de gosto ouvir as conversar entre Ferro Rodrigues e António Costa. Sobre o segredo de justiça, parece-me que Ferro tem razão. Isto de andar com segredinhos é coisa de raparigas adolescentes.

19 de Outubro

António Barreto escreve no Público que votar contra esta Constituição Europeia não é negar a Europa, é apenas rejeitar uma Europa centralizada e cristalizada à volta da França e da Alemanha. Dizerem-nos que este é o único caminho, que ou o aceitamos ou ficamos de fora, chama-se chantagem ou presunção de imbecilidade. Dispenso ambas.

20 de Outubro

Numa universidade, os alunos fecham os edifícios a cadeado, como dias antes dirigentes de uma outra bloquearam uma ponte e impediram a passagem do trânsito. Em nenhum dos casos a polícia interveio, como faria (e costuma fazer) caso a ilegalidade fosse cometida por agricultores ou gente de uma qualquer freguesia do País. Os meninos das universidades não podem e não devem ter tratamento de excepção. Cumprem como todos ou comem como os outros.

Aos alunos: Miguel Esteves Cardoso publicou um artigo no Independente, estudava eu Sociologia na UBI, em que nos convidava a protestar na rua, de livros na mão. Façam isso. Peguem nos livros e leiam-nos em voz alta nas manifestações. Discutam a teoria hegeliana do Estado. Dissertem sobre as implicações políticas da pintura de Goya. Não desperdicem a vossa inteligência e energia em métodos de guerrilha de montanha.

21 de Outubro

Entro numa loja a horas decentes. Não sou atendido. Antes recebo olhares reprovadores por entrar numa casa que não me pertence. E percebo rancores entre os empregados, a tentar descortinar qual deles tinha deixado a porta entreaberta. “Como é que alguém se esquece de fechar a porta?”, pareciam questionar-se. A partir desse momento, seria perfeitamente possível alguém entrar e – horror! – querer comprar alguma coisa, violando uma qualquer alínea do seu contrato de trabalho. Solidário, pedi desculpa pelo incómodo e saí. Os sindicatos, como sempre, estavam ausentes, afastados dos problemas reais dos trabalhadores portugueses.

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