Arquivo

Diário Interior

18 de Setembro

O correspondente do Público em Nova Iorque decidiu brindar en passant os leitores do diário com uma expressão para qualificar o referendo na Califórnia: “bizarro carnaval eleitoral”. Presumo que os adjectivos estejam de alguma forma relacionados com o facto de se plebiscitar um mandato a meio e com a miríade de candidatos que se apresentam a sufrágio. O facto do referendo estar previsto na legislação, de ter sido convocado após a apresentação de milhões de assinaturas de californianos e de ser uma consulta popular e não um golpe de estado ou um impeachment parlamentar constitui, para muita gente, uma verdadeira bizarria. Quanto à quantidade e atributos dos candidatos a novo governador (caso o actual perca o plebiscito) julgava eu ser um óptimo sinal de progresso na sempre martelada questão da aproximação entre políticos e cidadãos. Naquela eleição, a grande maioria dos candidatos a políticos são mesmo o que normalmente que designa por “cidadão comum”. Afinal, diz-nos o jornalista, é um carnaval. Isto de qualquer um se poder candidatar a cargos políticos é uma palhaçada, pelos vistos. Obrigado, Pedro Ribeiro, pela profunda lição de democracia contida em apenas três palavras.

20 de Setembro

Vejo Adeus, Lenine de Wolfgang Becker. Com um título bastante sugestivo para gente nada saudosa da Guerra Fria, o filme retrata o esforço de um rapaz de Berlim Oriental para esconder da mãe, depois de oito meses em coma, a queda do muro e o fim da RDA a que dedicara a vida. Há um olhar divertido para o socialismo alemão oriental, a sua linguagem característica, a sua organização política, os seus hábitos de consumo, etc.

O filme, bastante bom, remete para um sentimento actual na Alemanha de Leste, uma “ostalgia” (nostalgia do leste) em virtude da perda de algumas referências identitárias e da percepção dos sinais evidentes de crise. Num país onde as referências ao nazismo são ainda proibidas por lei, a ditadura socialista renasce sob a forma de merchandising revisionista. Nas memórias “dessa” RDA não existe a Stasi, não existe a proibição de sair do país, não existem senhas de racionamento, não existem zelosos funcionários do partido.

Os Trabant tornaram-se, como Che Guevara, ícones pop. A iconologia comunista é pretensamente ingénua, como se aquilo que representa não tivesse marcado da pior forma uma parte significativa do mundo durante mais de cinquenta anos.

21 de Setembro

O Governo estuda a hipótese de adiantar a hora para acertar os relógios com a Europa Central. Este Governo começa a demonstrar alguma incoerência. Afinal a Europa Central não é a Velha Europa? E nós não estamos no grupo da Outra Europa? Que Madrid mude mas é para o nosso fuso horário (de Lisboa e Londres) para chatear alemães e franceses.

22 de Setembro

Sou frequentemente questionado pelos horários de sono que mantenho. Não se trata de vida desregrada, mas de vivência cosmopolita. Apesar de os relógios portugueses marcarem cinco da manhã sempre que me deito e uma da tarde quando acordo, eu estou, na realidade, a reger-me pelo fuso horário de Nova Iorque. Cama por volta da meia-noite e alvorada às oito da manhã. Segundo dizem os entendidos, é o horário ideal. Tenho amigos que contestam esta tese por eu não viver na costa Leste dos EUA, o que me parece uma evidente embirração. É dizer mal por dizer mal.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

Sobre o autor

Leave a Reply