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Dez medidas para Valente

Jogo de Sombras

Já que é candidato e já que fiquei com a dúbia fama de ter sido o seu original apoiante (quando publiquei o artigo «Ah, Valente!», neste jornal, vai para dois anos), sinto-me na obrigação moral de contribuir para os seus primeiros dias como presidente da Câmara da Guarda (se for eleito, claro; se não for, o adversário também será livre de se apropriar das ideias). Eis um conjunto de dez medidas (podiam ser cem mas não há espaço) que esta cidade precisa em nome de tudo – a começar pela auto-estima de nós todos. Conseguirá impô-las? Tem que conseguir. Como deixou entender o presidente da concelhia do PS e candidato derrotado a candidato, António Saraiva, se não fosse pelas noitadas com o amigo José Sócrates e pela boa influência que isso pode representar para a Guarda, por que teriam eles escolhido Joaquim Valente para esta corrida?

1. Rever o Programa Polis. Terminar a primeira fase do Parque Urbano do Rio Diz (a que está actualmente em construção, a Sul). Fazer nova ligação viária entre a Rua da Direcção de Viação e a rotunda do Bairro do Pinheiro na VICEG, de forma a criar hábitos de passagem (e utilidade) para as obras em curso. Manter o até agora inútil semi-coberto mas integrá-lo como infra-estrutura de apoio a um futuro (e muito necessário) pavilhão multi-usos fechado. Transformar todo o perímetro num parque de lazer, feiras, espectáculos e exposições. Reprogramar as restantes intervenções. Cancelar a segunda fase do Parque Urbano do Rio Diz e redireccionar o investimento para a requalificação da centralidade tradicional da cidade (isto é: onde há pessoas), em especial no planalto entre o centro histórico e o antigo sanatório.

2. Arrumar a cidade. A sequência desgarrada de bairros, loteamentos, urbanizações e subúrbios resultou numa salgalhada que só de longe se pode chamar cidade. Unir e harmonizar o que está construído é o desafio a lançar aos arquitectos locais. Se não for suficiente solicita-se o traço descomprometido dos de fora. Certo é que não haverá mais engenheiros nem desenhadores a traçar casas. E alguns dos novos loteamentos só serão aprovados mediante projectos-tipo com variantes. Acaba a vontade do freguês. E termina a dissonância de estilos e gostos, que assassina a paisagem. Depois é necessário definir, com rigor, um novo Plano Director Municipal. Partindo do zero. Acolhendo tudo e todos – mas com estratégia, visão, lógica, método, arrumação, harmonia, respeito. A negociata da construção da grande superfície comercial no Bairro dos Remédios foi o fim de um ciclo de desaforo e impunidade.

3. Uma nova cintura viária. Verdadeiramente externa, rápida e com acessos desnivelados. Partiria da actual rotunda do Torrão pelo extremo Sul da cidade, cruzando com a A23 no Barracão, ligando a futura Plataforma Logística, seguindo na direcção da Sequeira, interceptando o nó das auto-estradas, cruzando com a estrada para Pinhel na zona da Rapoula, atravessando a Linha da Beira Alta e ligando à A25 na antiga subida do Alvendre, fechando o círculo em direcção à inacabada VICEG junto ao quartel dos Bombeiros. Com ligação ao centro (ou aos centros) através de um conjunto de alamedas novas, formando uma teia coerente.

4. Uma cidade para as pessoas. Intervenção de fundo em toda a zona desde a Rua 31 de Janeiro até ao actual Parque da Saúde. Encerramento ao trânsito do Largo João de Almeida, Rua Alves Roçadas, Praça do Município, Largo Humberto Delgado e Rua Batalha Reis (além da Praça Velha e da Rua do Comércio). Construção de parques subterrâneos, um no Jardim José de Lemos e outro no Largo João de Deus e na Rua Marquês de Pombal, ligados por túneis viários que canalizem o tráfego entre os extremos. Arranjo paisagístico da superfície, convidando arquitectos locais (lembre-se do excelente rol de ideias publicado neste jornal há quase três anos). Demolição do edifício da EDP e dos prédios contíguos (já que a Sala de Espectáculos acabou por ser construída nas traseiras, remedeie a falta de visão estratégica «limpando» os obstáculos visuais, obtendo uma integração harmoniosa da obra nas novas zonas pedonais e no jardim Lopo de Carvalho e permitindo, a prazo, o tratamento de todo o vale até ao Bonfim). Quanto ao Centro Histórico, não basta reabilitar – é preciso dar utilidade. Com toda a intervenção em curso no interior e nas imediações do casco medieval, as seculares vielas poderão tornar-se num sedutor destino de lazer e comércio. Para isso é criada a Bolsa de Iniciativa Comercial: a Câmara recupera os imóveis, seguindo diferentes tipologias (comércio típico, franchising, restauração, bares); uma vez realizado o investimento inicial, concessiona os espaços, privilegiando jovens empreendedores.

5. Centro Cívico. Fica ao fundo desta cidade para peões, naquilo que hoje é conhecido como Parque da Saúde. Da velha função só manterá o Centro de Saúde (por razões de proximidade com o eixo urbano central), instalado onde antes foi o bloco de urgências do hospital. O resto dos edifícios acolherá todos os chamados organismos desconcentrados da Administração Central: Governo Civil; conservatórias; notários; delegações; repartições. O decrépito Pavilhão Rainha Dona Amélia será recuperado para Loja do Cidadão. No Dona Filipa de Lencastre funcionarão as Finanças. De resto, sobra espaço para todos – os que existem e os que forem criados. Infelizmente já não vai a tempo de juntar ali os tribunais, a Segurança Social, a Direcção de Agricultura e a própria Câmara. Mas pode conseguir que construam, de raiz (na zona das lavandarias, onde o anterior governo prometeu fazer um hospital), os novos quartéis da GNR e da PSP. Ficam livres o actual edifício do Governo Civil e da Polícia (pode lá instalar o museu e o arquivo municipal) e o antigo da Caixa Geral de Depósitos e agora das conservatórias (pensei num imponente restaurante e café-concerto, do género Hard-Rock. Acha que consegue?).

6. Grandes projectos. A Plataforma Logística tem que andar. Nomeiem-se gestores – poucos mas com plenos poderes – que dinamizem o projecto e lhe dêem visibilidade, actuando por objectivos. A Câmara remete-se à tarefa política da consolidação estratégica do empreendimento e da salvaguarda da parte pública do investimento. Um hospital novo também é preciso, já que tanto se falou dele. Mas a autarquia é frontalmente contra a visão redutora do Plano Director para o Parque da Saúde, recuperada do anterior governo do PS. Hospital, só de raiz, numa das novas zonas de expansão, perto de vias de comunicação essenciais. Essa nova centralidade deve impor a criação de outros equipamentos públicos, como a gare intermodal, que amplie a estação de caminhos-de-ferro para um grande terminal de passageiros, fazendo convergir transporte ferroviário, rodoviário de longo curso e rodoviário urbano. A actual central de camionagem será demolida e o mercado municipal será substituído.

7. Extinguir as empresas municipais. É absurdo manter empresas para gerir as piscinas, os espaços desportivos, o parque de campismo ou os equipamentos culturais. O paradoxo começa no facto de não serem empresas nem terem gestores. Mesmo que os tivessem, as administrações – presididas por políticos – far-lhes-iam a vida negra. É que estes elefantes brancos são criados com o único objectivo de despistar as leis, prolongando os vícios da ineficácia e do despesismo: a Câmara não pode exceder certos patamares de gastos mas a empresa municipal pode; a Câmara está obrigada à fiscalização prévia do Tribunal de Contas mas a empresa municipal não; a Câmara tem que cumprir regras na admissão de pessoal mas a empresa municipal decide arbitrariamente quem emprega e quanto paga.

8. Reduzir os efectivos. Uma autarquia tem que possuir quadros qualificados, com formação superior ou reconhecida capacidade técnica para assumir a direcção, a gestão, a estratégia e o planeamento das áreas-chave da actividade municipal. O topo da estrutura tem que ser composto por equipas multidisciplinares com alto nível de especialização, que formem o verdadeiro governo autárquico: uma administração autónoma, transversal e imparcial. Aos eleitos – presidente e vereadores – cabe o papel político (para o qual também é necessária aptidão e, principalmente, coragem) da decisão. Com um quadro consideravelmente menor mas mais habilitado é possível aumentar a eficiência e cumprir objectivos. Do que a Câmara menos necessita é de uma legião de empregados indiferenciados.

9. Concessionar serviços. Reduz os custos, aumenta as receitas e – principalmente – estimula o mercado, através da fixação ou criação de empresas especializadas. À Câmara deve caber a concepção, o planeamento e a decisão. Na execução recorre ao chamado outsourcing por meio de concessões e contratos-programa em termos rigorosos no que toca a objectivos, prazos, rentabilização e contrapartidas. A autarquia exercerá o papel regulador e fiscalizador das actividades. Isto aplica-se a praticamente todas as áreas: a gestão de serviços; a manutenção de espaços verdes; a construção de parques de estacionamento; a criação e administração de equipamentos públicos de carácter social, cultural, educativo, desportivo e turístico.

10. Criar uma direcção de estudos e planeamento. Reunir quadros especializados em áreas diversas – administração; economia; sociologia; arquitectura; urbanismo; trânsito; paisagismo – num think tank que esteja permanentemente a avaliar potencialidades e a prever vulnerabilidades; e a rascunhar, conceber e projectar. É trabalhar para a gaveta? É. E não deve haver complexos por isso. Ao menos, quando cair outra vez dinheiro do céu, como no Polis, não se estoiram dois anos a imaginar extravagâncias e outro a desenhar projectos – para no fim não haver coisa nenhuma. Um exemplo prático: assim que a REFER admitiu criar uma estação da rede ferroviária de alta velocidade no distrito da Guarda, um gabinete como este teria um prazo-limite para apresentar um plano global que fundamentasse a escolha de um local determinado nas imediações da cidade, associando projectos em curso (como a Plataforma Logística) ou imaginados (como o terminal rodo-ferroviário) e outras propostas de expansão urbana.

Por: Rui Isidro

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