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Destilando fel

A realidade ultrapassa a ficção neste país e no mundo. Aparentemente um país governado por um mitómano apresta-se para o reeleger. Estou zangado. A minha profissão, atualmente, afugenta e frustra quem a abraçou por gosto. Já não suporto os noticiários, esses formadores de opinião ao sabor das políticas, dos políticos ou de quem os financia. Odeio os tiques de ombros do Assis, os movimentos suspeitos das mãos do Sócrates, a saliva nos cantos da boca do Jerónimo, os implantes capilares e os dentes branqueados do Portas, a boca assanhada do Louçã, e o irritante cavalheirismo do tenrinho do Passos que contrasta com a máquina propagandisticamente infernal montada pelo tipo da Covilhã.

Já que não posso fazer nada quanto ao facto do petróleo, a eletricidade e o gás não pararem de aumentar, ou pertencer a uma classe média recém-extinta, a única a pagar verdadeiramente impostos, ou ser governado por inúteis, incompetentes e ignóbeis, resta-me apenas destilar algum fel.

Como se não bastasse o contributo do status quo financeiro, social e político do meu país para o meu mau humor, apanho com tipos que me fazem passar a vermelho o semáforo de velocidade, os que insistem em circular em noite estrelada com o farol de nevoeiro traseiro ligado e os que se marimbam para o facto de ocuparem dois lugares de estacionamento.

Abomino os tipos que imploram a um deus pessoal que os favoreça em detrimento de outrem. Estou farto dos seguidores do Osama e do Obama, das religiões e das guerras com base religiosa e étnica. Enoja-me o cinismo dos políticos. Detesto a ideia de uma China tentacular e ávida de recursos naturais a comprar-nos dívida pública e a colonizar-nos. Como é que vamos protestar contra o seu desrespeito pelos direitos humanos agora, quando acabam de nos comprar a alma? Estou farto que a crença dessa cultura na totipotência sexual baseada em extrato de corno de rinoceronte, tenha dizimado a espécie; que a procura de barbatanas de tubarão para as suas sopas, deixe moribundos milhões de esqualos sem os seus lemes, tal como um país à deriva – o nosso; que as propriedades “curativas” de extrato de bílis mantenha centenas de ursos castanhos aprisionados em jaulas com o seu tamanho e com drenos permanentes nos seus fígados. Odeio. Odeio estas paranóias civilizacionais. A insanidade anda por aí há muito. Vacas sagradas na Índia, aos milhões, causam acidentes de trânsito, enquanto milhões passam fome. Tanto bife, tanto hambúrguer, tanta costela sem qualquer utilidade. Tipos que não podem representar o seu deus e que condenam à morte quem o fizer e que abominam o corpo do porco. Cristãos que queimam mesquitas, muçulmanos que queimam igrejas, ceitas que queimam parcos salários em troca de milagres, tipos que se fazem explodir em troca de setenta virgens…ou setenta vezes sete. Três religiões, três compilações, a mesma origem, o mesmo objetivo. Tantos inocentes mortos, tanta ignorância, tanta estupidez induzida por elas. O mundo está louco, aliás, sempre esteve.

Na minha cidade continuo a ver edifícios crescer como cogumelos. Vende-se, vende-se…mas a quem? Estarão loucos os empreiteiros ou terão um desejo suicida de falência? A torneira fechou gente, acordem! Os bancos que outrora davam crédito para casa, recheio, carro, tudo na mesma hipoteca, são os mesmos que agora cinicamente viram as costas. As empresas do “Quer dinheiro já?” entretanto desapareceram da televisão, assombradas pelo fantasma do incumprimento, depois de ajudarem a arruinar milhares de famílias, aproveitando-se da sua iliteracia financeira. Os monopólios da Galp, EDP, REN, PT e outros criadores de “jobs for the beast” em detrimento de “jobs for the best”, asfixiam as pequenas e médias empresas e particulares, têm margens de lucro brutais e permitem que o polvo “chuchalista” alastre, enquanto o país definha. Não posso mais com o culto do grande líder o qual é mimetizado na perfeição pelo beicinho do Silva Pereira ou a virulência do Santos Silva. Estes tipos vão ser implacáveis na campanha eleitoral suja que vão fazer contra os tenrinhos do PSD e receio bem que vinguem, pois um povo tem quase sempre o que merece. Cá, no sul da Europa, elegem-se bobos da corte que engordam à custa de quem labuta enquanto atafulham uma miserável classe média de impostos, governando-se em vez de nos governarem, agarrados como uma lapa ao poder ou como uma carraça ao sangue de quem trabalha. Estou tão farto desta pequenez. Estamos todos tão fartos!

A hora vai já adiantada, estes flashes de puro fel que insistem em aterrar nas teclas ainda não dão sinais de querer abrandar, mas o limite imposto pelo chefe diz-me que é hora de parar. Olho para o lado, a minha cadela, Luna, ressona, dormindo profundamente, alheia a tudo isto e penso, foi para criar estas sociedades dementes que largámos as árvores e ganhámos consciência?

Por: José Carlos Lopes

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