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Desistência nacional?

Theatrum Mundi

É em momentos como estes que a Europa parece significar pouco. E porém, os candidatos ao parlamento europeu lá andam, impávidos e (pouco) serenos, de feira em feira, distribuindo o seu panfleto, procurando o banho de multidões, pedindo o voto e soltando um verdadeiro chorrilho de imprecações contra os adversários. Os críticos dizem que a Europa está ausente da campanha e que o insulto tomou conta do discurso político, mas a verdade é que o espectro de uma discussão sobre assuntos europeus não deixaria de afastar ainda mais os eleitores. É preciso encarar o facto de que a Europa é uma realidade demasiado distante, abstracta e nebulosa para a maioria dos portugueses. Não dispõe de verdadeiro carácter político nem apela a um novo espaço de cidadania, pois desde 1986 que em Portugal a única preocupação tem sido a de insistir na dimensão utilitarista da Europa, a de realçar as vantagens materiais e a convergência de bem-estar com os mais ricos. A famigerada ‘subsídio-dependência’ é bem o resultado de uma certa desistência nacional de discutir o papel de Portugal na definição do projecto europeu, papel tão mais fundamental quanto está directamente relacionado com a discussão do próprio projecto de Portugal enquanto comunidade nacional. É uma desistência que atinge dirigentes e cidadania por igual, e marca outro dos aspectos preocupantes da crise da política. Podemos enjeitar as culpas e vociferar que o divórcio é provocado pelos próprios políticos; afinal, há sempre motivos suficientes para desconfiar ‘deles’, enquanto nos encerramos na auto-complacência dos justos… Os políticos não são mais nem menos que o espelho da cidadania que representam, e ninguém se pode eximir de retirar as devidas consequências. É ‘esse’ o país que somos. Sobretudo, é preciso não esquecer que o dever cívico a que mecanicamente se apela, de tempos a tempos, e a que associamos a democracia tem de estar assente no exercício da cidadania que é algo muito mais abrangente do que o ‘simples’ acto de votar. O erro, por parte dos políticos e dos cidadãos em geral, está em entender (e muitas vezes em provocar) que para lá do voto não há mais democracia, não há mais participação. E é a falta de participação que nos está a aproximar, a passos largos, da pulverização do interesse público, produto também da sociedade-espectáculo em que vivemos, e em que a definição dos destinos colectivos é uma actividade dispensável e uma prioridade de vida muito secundária. Uma cidadania responsável nos dia de hoje implica dar a conhecer, e querer saber, quais os níveis em que são tomadas as decisões que afectam a todos e determinam os destinos colectivos. Votar no domingo é uma responsabilidade imposta pelo facto cada vez mais real de que a Europa se vai tornando num desses níveis de decisão, eventualmente o mais importante. E como é assumido, talvez o único ponto pacífico desta campanha, não é a mesma a Europa que têm em mente as diferentes forças partidárias, como não é a mesma a ideia que têm do destino e projecto nacional. Por isso, não tenhamos ilusões; discutir a política europeia é, antes de mais, discutir a política nacional e a política regional. As opções políticas próprias destes diferentes níveis são interdependentes, de tal forma que tanto é assunto europeu discutir a tragédia da pulverização europeia face à guerra do Iraque como discutir a importância da disciplina das contas públicas. Tanto é assunto europeu problematizar a manutenção dos centros de decisão em Portugal como exigir do governo mais coerência na definição de uma verdadeira política regional. No fim de contas, a Europa estará sempre muito distante se num país com a dimensão de Portugal as assimetrias regionais não deixarem de aumentar. Desistência nacional?

Por: Marcos Farias Ferreira

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