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Desgovernados

Observatório de Ornitorrincos

Segundo uma lenda recordada com frequência ultimamente, os romanos diziam da parte mais ocidental da península que aqui vivia um povo que não se governava nem deixava governar. Este mito tem sido repetido a propósito da incapacidade dos lusitanos, há dois mil anos, e dos portugueses, hoje em dia, para tomarem conta da chafarica. Lembrei-me disto ao ver a tomada de posse do novo Governo da Nação. Olhava para José Sócrates e pensava no pobre Viriato. Ambos homens das terras altas com biografias obscurecidas e mistificadas. Ninguém sabe de onde veio o segundo nem para onde vai o primeiro. De nenhum se conhece pensamento político profundo.

Há teorias que asseguram ter sido a Península Ibérica o último reduto do Homem de Neanderthal e que os habitantes da Ibéria seriam dessa forma um híbrido do Sapiens com a estirpe há milénios extinta. Desconheço a validade científica da teoria, mas olhando para os casos perdidos da vida nacional não a descartava imediatamente. Quem nos governa tem com certeza tal teoria em mente quando nos trata como uma espécie de Homo Habilis. É verdade que sabemos fazer algumas coisas com paus e pedras, mas o pensamento é próprio de gente do Neolítico e do Palácio de S. Bento. São como Viriatos que um dia foram a Roma (que tal como Pavia, não se visita num dia) e julgaram vir de lá romanos. E olham para nós como quem diz “este portugueses não se governam e – com esta mania de votar em partidos da oposição – também não se deixam governar.”

Estava eu a sonhar com tais parábolas quando ouvi o Presidente da República dizer que vai promover as condições para que este governo se mantenha durante quatro anos, como aliás começou a fazer na semana que antecedeu as eleições. Se há defeito que podemos apontar ao Prof. Cavaco é a sua coerência. Segundo Anabela Neves, a porta-voz do Governo para a SIC, o Presidente é uma espécie de professor primário estado-novista que lida mal com a adorável traquinice de José Sócrates. Pode não ser um intelectual, pode não saber de cor a tabuada e não conhecer as regras da sintaxe, mas ninguém o bate na ginástica logo pela manhã. E tem ideias grandiosas para aquela escolinha, o menino Zezito. E faz beicinho quando o professor ou os coleguinhas lhe fazem perguntas difíceis. Mais meia dúzia de frases da tomada de posse e lá estou eu outra vez a dormitar entre alegorias manhosas.

Se José Sócrates não conseguir entender como governar em minoria, eu posso dar-lhe os números de telefone dos meus pais. Em minha casa havia dois pais e três filhos. (Para não haver confusões, esclareço: havia um pai e uma mãe – são gente de esquerda, sim senhor, mas eram outros tempos.) Havia portanto uma minoria de pais e uma maioria de filhos. Quem é que mandava? Os pais. (Eu já expliquei que eram outros tempos.) Senhor Engenheiro, se achar que este país é ingovernável sem maioria, com tantos portugueses e com pouco dinheiro, é bem feito. Digo-lhe o mesmo que digo aos meus pais: não se tivessem metido nisso.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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