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Desconstrução de um Mito

Faz uns tempos já que recebi um mail do meu amigo Victor Lavajo a contar uma curiosa história. Segundo parece, durante os anos sessenta, em plena competição com os russos pela conquista do Espaço, os americanos tinham-se deparado com um grave problema: como poderiam os astronautas registar notas e dados de experiências científicas no espaço? É que as vulgares esferográficas baseavam-se na força da gravidade para fazer a tinta chegar à pequena esfera que, rolando sobre o papel, produz a escrita. Por outro lado, as tintas vulgares congelariam de imediato nas condições extremas em que iriam ser utilizadas.

Foi assim que a NASA investiu, reza a lenda, milhões de dólares numa caneta que cumprisse esse difícil caderno de encargos e pudesse escrever com gravidade zero e condições de temperatura extrema. Entretanto, os russos, confrontados com o mesmo problema, tinham adoptado uma solução simples e brilhante. Tinham, pura e simplesmente, munido os seus astronautas de vulgares lápis! Brilhante, extraordinário, um autêntico ovo de Colombo do século XX. Uma reles falsidade, em que acreditei como toda a gente.

Até que deparei com um site (http://www.43folders.com/2006/05/08/space-pen-myth/) na internet que contava a história como sendo um simples boato e remetia para outro site em que este era demolido de alto a baixo (http://www.snopes.com/business/genius/spacepen.asp). Assim, na realidade, no início da corrida espacial ambos os lados, americanos e russos, utilizavam lápis. Não havia outra forma de registar apontamentos e dados, dado o falhanço de esferográficas e canetas em ambiente de gravidade zero. O problema é que depressa se concluiu que os lápis eram muito perigosos, precisamente pela ausência de gravidade. Com a sua utilização iam-se soltando minúsculas partículas que ficavam a flutuar dentro das naves espaciais e podiam facilmente ser ingeridas pelos astronautas. Por outro lado, essas partículas podiam provocar curtos-circuitos em contacto com a instrumentação eléctrica, sem falar nos riscos de incêndio que a combinação de grafite com madeira e atrito poderiam causar num ambiente saturado de oxigénio.

Foi assim que Paul C. Fisher, um típico empresário norte-americano, se lembrou de desenvolver uma caneta que resolvia o problema. Criou uma carga especial, em que para além da tinta havia um gás pressurizado que, pela sua expansão, empurrava a tinta para a esfera e assim permitia escrever em qualquer posição ou em ambiente de gravidade zero. Criou ainda uma tinta especial que resistia a muito altas e muito baixas temperaturas (ponto de incandescência superior a 200º C, tendo sido testada com sucesso em temperaturas de -50º C). Depois de gastar mais de um milhão de dólares do seu bolso a criar e melhorar a sua caneta, Fisher enviou-a para Houston, onde acabou por ser provada pela NASA – que lhe comprou, em 1967, quatrocentos canetas ao preço unitário de 2,95 dólares. A história termina com a utilização da caneta pelos próprios astronautas russos.

Pela minha parte, a história não podia terminar assim. Tinha de ver pelos meus próprios olhos. Não tardei a descobrir o site oficial (http://www.spacepen.com/Public/OpenPage/index.cfm) e a encomendar uns poucos de exemplares (infelizmente já não a 2,95 dólares cada) para distribuir por casa e por alguns amigos que gostam dessas coisas, como por exemplo o Lavajo.

Sugestões

Um disco: Bill Frisell, Ron Carter, Paul Motian (2006). Jazz do melhor.

Uma canção: La Llorona (versão de Vaya con Dios). Aos anos que não ouvia isto!

Por: António Ferreira

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