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Depois da escuridão…

Editorial

A cidade da Guarda é normalmente cinzenta e escura, em especial no Inverno. Já Miguel de Unamuno, num traço impressionista, relatava que a sua primeira visita à cidade era marcada pelo nevoeiro e pela obscuridade, pelo frio e a brisa que soprava de forma ruidosa, como uma aragem das trevas. Com os anos a cidade foi mantendo esse semblante e raramente conseguiu fugir a esse anátema, a essa carga negativa, a esse cunho indelével imposto pelo clima e pelas vicissitudes da orografia. Unamuno não carateriza a marca e a carga que sobre os habitantes tem o inverno rigoroso, mas ninguém tem dúvidas que a formação de caráter e muita da índole dos guardenses está influenciada pelos dias frios e as noites longas.

Talvez por isso, mas não só, raramente encontramos um espírito de festa e alegria contagiante na cidade, mesmo nos períodos festivos (que os houve, e muitos). Por exemplo, quando apareceu a festa do julgamento e morte do Galo (que começou por ser uma criação para celebrar o ano novo e, por culpa da intempérie que se abateu sobre a cidade, acabou por acontecer e se afirmar como festa de Entrudo) era um grande momento, uma grande produção, mas carregada de languidez, sofrimento e tristeza, que conclui com a condenação e morte do galináceo (haverá alguma coisa mais triste que a morte, ainda que representada de forma satírica e com um ritual divertido?). Neste contexto, percebe-se que, mesmo em tempo de vacas gordas, e salvo honrosas exceções, nunca houve de forma continuada uma dinâmica de festividade na cidade. Também tem sido assim nas quadras natalícias. Em especial nos últimos anos. Enquanto noutras cidades, um pouco por todo o lado, a animação ia tomando conta das urbes e a vida comercial se agitava agradecendo a febre consumista entre pais natais e luzinhas, a Guarda prosélita e elitista descurava a criatividade e a animação, por manifesta incapacidade e por clara inépcia dos seus dirigentes – demorou, mas acabou.

É por isso que, naturalmente, a animação natalícia deste ano tem tudo para ser um sucesso. A cidade cinzenta encheu-se de cor, a miudagem tem muito com que se divertir e os graúdos perderam o medo de rir e de se divertirem. Pelo meio podemos não apreciar parte da forma, mas o mais relevante é que o conteúdo e o objetivo – animar os dias frios de Natal – vai de encontro a uma nova realidade da cidade que veio para ficar (e que até tem a sorte dos dias de frio seco regressarem com sol e muita luz!!). Podemos sempre dizer que queremos mais, que não é com festas e romarias que se cria riqueza, mas ao mesmo tempo que reivindicamos, também podemos aproveitar para nos divertirmos – hoje, nenhuma cidade atrai pessoas e empresas se não tiver vida. Continua a ser menos do que nos prometeram, mas muito mais do que aquilo a que estávamos habituados…

Luis Baptista-Martins

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