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Das décimas e dos milhares

Em dois anos, do segundo trimestre de 2008 ao segundo de 2010, foram destruídos no nosso país quase um quarto de milhão de postos de trabalho

Um dos casos mais espantosos do problema do desemprego em Portugal é a forma como, perante o granítico silêncio do IEFP e respectivos responsáveis, se verifica essa espantosa dualidade de, simultaneamente, o desemprego aumentar e diminuir… Durante o 1º semestre deste ano foram eliminados mensalmente dos ficheiros do Instituto uma média de cerca de 47.5000 desempregados; entretanto, segundo o Instituto Nacional de Estatística, no 2º trimestre deste ano foram destruídos cerca de 17.000 empregos! Mas o facto é que em dois anos, do 2º trimestre de 2008 ao 2º de 2010 foram destruídos no nosso país quase um quarto de milhão de postos de trabalho, em rigor, 236.500.

Falar só com números tem a grande facilidade de citar uns e esquecer outros ou mesmo de efectuar ajustes da maior conveniência política, de que constitui seguramente o mais brilhante exemplo a constante mistura entre a décima de um qualquer valor (o “índice de confiança dos empresários”, por exemplo, um dado altamente rigoroso e mensurável…) e o acumular de centenas com as quais se medem os que viram a sua empresa fechar as portas.

Entretanto, bastantes outros aspectos requereriam ser devidamente sublinhados.

Tomemos por exemplo o problema do desemprego de longa duração. O carácter dramático desta situação é desde logo sublinhado pelo facto de o subsídio de desemprego ter um limite de concessão, o que significa que esta “longa duração” acaba pura e simplesmente a ser sinónima de se ter perdido o único e diminuto apoio.

Mas o prolongamento de uma situação de desemprego está ligado não apenas à óbvia escassez de trabalho, mas a um outro aspecto de índole profissional: se uma empresa exigindo mão de obra especializada encerra, é evidente que o desemprego gerado é de trabalhadores qualificados. A sucessão de políticas de desmantelamento de indústria nacional, que é uma constante das últimas décadas, gera porém o problema que se se encerra uma unidade produtiva tecnologicamente exigente é especialmente difícil que outra exista ao lado e menos ainda que outra surja. Significa isto que exactamente o trabalhador mais qualificado e preparado acaba a ser vítima da própria qualificação, que o mercado não solicita.

Pior ainda, a evolução tecnológica (muitas vezes invocada para o encerramento das unidades produtivas) tenderá a transformar no tempo o perfil profissional exigido, no mesmo ou semelhantes ramos de actividade, e portanto a restringir a possibilidade de reaparecimento de procura desses trabalhadores.

Esta realidade transporta-nos em linha recta ao dado divulgado pelo Eurostat segundo o qual Portugal ultrapassa vergonhosamente a já de si nada edificante média europeia de trabalhadores precários, que é na União de 13,5% e no nosso país de 22%, o que significa mais de um milhão de trabalhadores. E cujo estatuto precário fragiliza na obtenção de qualificações profissionais, num círculo vicioso humano e económico que muito diz sobre as políticas do Governo de José Sócrates.

Por: Ruben Carvalho

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