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Dádivas de Gaia

GAIA

Por Mª Lurdes Santos*

Citando uma piada de Woody Allen: “Há quatro grandes questões: Donde vimos? Quem somos? Para onde vamos? E que vamos comer esta noite?”

Apenas a partir do final do século passado é que nos começámos a preocupar com a preservação do Património Biológico, o único relevante para a sobrevivência da espécie humana. Sem bens materiais ou cultura pode-se sobreviver, mas sem as outras espécies tal não é possível.

Os outros seres vivos não são apenas fontes alimentares: fornecem-nos também substâncias salutares (mais de 70% dos medicamentos são extraídos de plantas e cerca de 90% são de origem biológica)

Há muitos exemplos que nos deveriam levar a preservar todas as espécies indistintamente. Recentemente, na Papuásia, descobriu-se um feijão com um teor de proteínas muito superior a qualquer alimento. Já o teixo, espécie rara da nossa flora, que se cria desprovido de qualquer utilidade, ganhou um valor inestimável: o seu taxol revelou ser uma poderosa droga no tratamento de certos tipos de cancro (pulmão e mama), e mesmo em alguns cancros anteriormente refractários à quimioterapia (cancro do ovário). Um teixo centenário fornece apenas 300 mg de taxol, sendo necessária a casca de seis teixos centenários para produzir quantidade suficiente para um único tratamento. E há cada vez menos teixos, porque se derrubam sem serem semeados, e porque se caçam os dispersores das respectivas sementes – as aves. Felizmente, a indústria farmacêutica já comercializa o taxol sintetizado laboratorialmente

No vasto conjunto de plantas ainda não inventariadas, existirá um importante manancial de novos remédios, que jamais curarão ou alimentarão se as eliminarmos.

A farmacopeia, aproveitando os conhecimentos médicos tradicionais das diferentes etnias, tem vindo a elaborar pesquisas a partir das indicações de curandeiros. Leva o seu tempo, quer no inventariar as espécies quer em criar relações de afecto e confiança com a meia centena de terapeutas tradicionais, pois só a partir do momento em que confiam nas pessoas que respeitam a sua sabedoria é que desvendam os seus segredos.

Continue-se pois a compilar o secular saber africano, científico e empírico e evitar-se-á que a sabedoria popular acabe por se desvanecer; os curandeiros são idosos e não têm aprendizes, e o continente africano, que tende a ocidentalizar-se, deixaria cair no esquecimento tão valiosos conhecimentos.

* professora

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