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Da (necessária) legitimidade de Marcelo

O agora eleito Presidente da República conseguiu o feito inédito de vencer em todos os distritos de Portugal. Antes, nunca outro candidato presidencial conseguira tamanha prevalência. Até em Beja Marcelo conseguiu ficar à frente do candidato das esquerdas Sampaio da Nóvoa, fazendo prova provada de que a sua candidatura era capaz de penetrar em todos os sectores e quadrantes da sociedade, da direita à esquerda, dos moderados aos radicais.

Mas tal feito não chega para iludir a realidade de umas eleições marcadas pela forte abstenção e pelo reduzido total de votos que o vencedor alcançou. Os 52% do professor resultam do voto de menos de 2,5 milhões de eleitores, a pior votação alguma vez obtida no início de um novo ciclo presidencial. Por outro lado, Marcelo teve o terceiro pior resultado de um vencedor à primeira volta, depois dos 50,54% de Cavaco Silva em 2006 e dos 46,31% de Freitas do Amaral em 1986, ano em que aconteceu a única segunda volta presidencial da história democrática nacional, a que levou Mário Soares para Belém.

Já a abstenção foi mesmo a segunda mais elevada desde 1976, isto descontando os atos eleitorais que permitiram a recondução no cargo de Ramalho Eanes, Soares, Jorge Sampaio e Cavaco, atos eleitorais naturalmente marcados pela menor mobilização dos eleitores. Foi ainda a terceira vez, desde o 25 de Abril, em que mais de 50% dos eleitores não compareceram às mesas de voto, isto apesar de mais um dia deste verão de inverno.

Contudo, excluindo as eleições que serviram somente para a recondução no cargo dos presidentes ainda em exercício, a abstenção de 51,16% registada no último domingo consubstancia mesmo a mais alta de sempre. Facto que não pode deixar de fragilizar o grau de legitimidade de Marcelo Rebelo de Sousa. Evidentemente, a vitória e respetiva eleição do professor são inquestionáveis. Formalmente, Marcelo beneficia de toda a legitimidade democrática no exercício da mais alta função da soberania nacional. Mas na prática, a eleição de Marcelo com uma participação de tal forma baixa não deixa de o enfraquecer.

A dúvida que fica passa por perceber se foi a vitória anunciada de Marcelo Rebelo de Sousa a demover os eleitores, ou se foi somente mais um sinal do afastamento dos portugueses em relação à política, nomeadamente depois de uma campanha que teve como único ponto positivo o seu final, às 23:59 de 22 de janeiro. Neste sentido é impossível dissociar o tipo de campanha empreendido, em especial por Marcelo, em que tudo foi falado menos as questões relevantes para o país, da fraca participação eleitoral.

Se o menor grau de legitimação do Presidente Marcelo poderá, de alguma forma, fragilizar a sua capacidade de atuação só o tempo o dirá, e nem deverá ser preciso muito, como a crise do PCP já ameaça indiciar. Certo é que o futuro Presidente será chamado a atuar e a exercer os seus poderes. Não é sequer o normalizado ciclo presidencial de 10 anos que o denuncia. É a realidade de um Governo consabido a prazo.

Por: David Santiago

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