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Da influência dos amigos ao clique na internet

Atmosfera Portátil

Há tempos a revista Blitz resolveu, no seu site, fazer uma sondagem aos seus leitores para aferir qual o melhor meio para descobrir música nova. O resultado dessa sondagem refere que o meio mais utilizado entre os jovens para conhecer música (57%) é pela internet: Myspace, Last.FM, YouTube. O curioso é que, logo a seguir à utilização da internet, está o item “recomendação de amigos” (14%), bem à frente da opção “imprensa especializada” (9%), da “rádio” (6%) e da “televisão” (4%). Ou seja, esta sondagem meramente demonstrativa, vem provar algo que já se sabia: os jovens (e menos jovens) conhecem hoje música nova quase exclusivamente pela internet (a televisão já nem é mencionada), e dando mais crédito aos conselhos de amigos do que às propostas da própria comunicação social especializada. Estes dados acabam por não ser muito diferente de quando eu era mais novo – à excepção da internet – que não existia ainda.

Tinha 16 anos quando comecei verdadeiramente a gostar de música e a conhecer/consumir sofregamente sonoridades novas. E uma das formas mais importantes e decisivas que eu tive para conhecer música nova estimulante (dos mais variados géneros – do jazz ao rock, da electrónica à erudita experimental) foi através da tal “recomendação de amigos”, geralmente, mais velhos e conhecedores experimentados. E com mais dinheiro para comprar os discos em vinil que estavam na berra (gravei centenas de cassetes áudio às custas dos amigos). Só a seguir vinha a imprensa especializada, que à altura se resumia ao então semanário Blitz e ao Se7e, ao fugaz semanário LP, ou à imprensa britânica – Melody Maker e New Musical Express (sem esquecer o papel importante dos fanzines ditos alternativos). E, claro, a rádio. Na rádio Altitude havia um programa chamado “Must”, às quartas-feiras à tarde, que passava as novidades alternativas do pop-rock britânico. Daí que me pergunte: se nos anos 80 havia espaço para uma rádio local passar música nova em horário nobre, porque já não o faz nos anos 2000?

Ainda no domínio da rádio, mas de dimensão nacional, mítica foi a importância que figuras da rádio (Comercial, Antena 3 e XFM) como António Sérgio, Luís Filipe Barros, António Cabrita ou Ricardo Saló tiveram para toda a geração dos anos 80 e 90, com programas de autor como o seminal “Som da Frente”. Dantes, lia-se uma crítica no jornal sobre um disco ou um grupo que despertava a minha atenção e que queria conhecer e ouvir. Para tal, esperava que tocasse na rádio ou que o disco ficasse à venda na discoteca. Este processo entre conhecer o grupo pela imprensa (ou por um amigo) e conhecer a sua música podia levar semanas. Actualmente, este mesmo processo leva um minuto – basta abrir a página do myspace do grupo que queremos conhecer e pronto, está lá a informação que pretendemos na hora. A velocidade de acesso à informação digital nem sempre é positiva, dado que é necessário cultivar espírito crítico para discernir a qualidade no meio de tanta quantidade de propostas. E sem a leitura de jornais e revistas especializados, do papel dos amigos mais conhecedores, nem sempre o processo de pesquisa se torna eficaz.

Na verdade, na actualidade, o paradigma da informação/comunicação é outro e a internet monopoliza praticamente todo o espectro de preferências ao nível de pesquisa de informação e de consumo cultural. No entanto, tenho a certeza que muitas vezes penso que a influência de certos amigos foi decisiva para consolidar a minha formação musical, houvesse ou não, à altura, internet…

Por: Victor Afonso

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