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D. Sancho I já não “mora” no centro da Praça Velha

Estátua, que será recolocada junto à Sé Catedral, foi retirada na última segunda-feira

Meio século depois, a estátua de D. Sancho I deixou de “morar” no centro da Praça Velha, na Guarda. A última segunda-feira foi o dia escolhido para que acontecesse um dos momentos mais emblemáticos das obras de requalificação da Praça Luís de Camões, com a retirada da estátua do rei fundador da Guarda. Entretanto, na semana passada foram encontradas mais ossadas no decurso da intervenção, levando o director executivo do PolisGuarda a admitir que os trabalhos poderão sofrer algum atraso.

Ainda foram muitos os curiosos que não perderam a oportunidade de verem “in loco”, e pela última vez, a estátua de D. Sancho I no local onde se habituaram a vê-la nos últimos 50 anos. Numa “operação” rápida, a estátua de bronze deixou de estar em cima da base de granito, foi erguida por um guindaste e colocada num camião. Vai agora ser alvo de trabalhos de «conservação e restauro», adianta António Saraiva, director executivo do PolisGuarda. Posteriormente, será recolocada entre a Casa do Bom Café e a escadaria da Sé Catedral. No entanto, esta opção parece não ser unânime entre os guardenses, tendo havido alguns, poucos, que não deixaram de mostrar o seu descontentamento no momento da retirada da estátua. Houve até um cartaz que afirmava: «Se na Guarda houvesse respeito, não se mexia no D. Sancho I». Contudo, António Saraiva discorda que se trate de um momento marcante nas obras de requalificação: «Não é assim um ponto tão importante, já que embora marque a história da cidade, não será uma mudança tão evidenciada, uma vez que a estátua ficará na mesma área», refere.

Elaborado pelo arquitecto portuense Camilo Cortesão, o projecto de reabilitação da praça, uma intervenção de cerca de 1,2 milhões de euros, prevê, para além da deslocalização da estátua de D. Sancho, o fim dos estacionamentos e o reordenamento do trânsito. O projecto contempla um corredor lateral para o trânsito ascendente entre a Rua 31 de Janeiro e o Largo Dr. Amândio Paul, ficando o trânsito interdito nas ruas do Comércio e Direita. O objectivo passa por diminuir a carga automóvel neste espaço a um nível «estritamente indispensável» e eliminar «drasticamente» os estacionamentos, disse em 2003 o arquitecto. Deste modo, a Praça Velha ficará transformada numa zona mais acolhedora e monumental, onde o peão será “rei e senhor”. O “coração” histórico da Guarda passará a ter uma imagem mais moderna, usando unicamente o granito e colocando apenas três candeeiros. Prevista está também uma grande plataforma, «inclinada como a praça», com pequenas modelações que farão com que alguns espaços sejam um pouco mais planos e permitam zonas de estadia, esplanadas ou espaços para espectáculos ao ar livre. De resto, Camilo Cortesão considerou que a nova localização da estátua não é subalterna, mas antes «um lugar mais digno que o actual ao ganhar uma posição mais importante na composição do espaço». É que, na sua opinião, a estátua «não tem importância nenhuma, porque está ali há menos anos que o resto dos elementos da praça», classificando mesmo de «ridícula» a posição central de D. Sancho.

Descoberta de mais ossadas atrasa obras

Entretanto, no decorrer da semana passada foram encontradas mais ossadas, localizadas no lado oposto em relação aos achados iniciais, junto ao edifício da Mediateca VIII Centenário, o que levou à paragem das obras naquela zona. Agora, os trabalhos poderão ficar suspensos também junto à via por onde ainda se pode circular de automóvel. Assim sendo, os trabalhos iniciados em Outubro deverão sofrer algum atraso, pelo que o final de Abril, considerado uma data «viável e possível» para o término das obras, já foi abandonado. «Durante o mês de Maio as obras deverão ficar concluídas», garante António Saraiva, até porque apesar de reconhecer que as descobertas das ossadas vieram trazer «algum contra-tempo», este está a ser «compensado com a abertura de outras frentes de trabalho», de modo «a colmatar o mais possível» o atraso. As novas descobertas vêm reforçar a tese de que terá existido um antigo cemitério na Praça Velha, desconhecendo-se ainda a época.

O fundador da Guarda

A colocação da estátua de D. Sancho I, uma obra do escultor António Duarte realizada em 1955, na Praça Velha surgiu no âmbito do programa renovador do Estado Novo para a escultura, que deu destaque aos monumentos comemorativos que evocassem uma figura do passado em ligação com um facto relevante da história do local. O escritor José Fernandes Pereira aborda a estátua no seu livro “Guarda” como «um D. Sancho pedestre, trajando a rigor, com uma das mãos segurando a espada, numa pose mais de conquistador que de povoador». D. Sancho I, filho de D. Afonso Henriques, foi o segundo rei de Portugal. O seu reinado ficou marcado pelo alargamento do território nacional a sul, bem como pela preocupação de consolidar a administração e povoamento. D. Sancho I nasceu em Coimbra em 1154, tendo falecido a 1211. Quando tinha 16 anos foi ordenado cavaleiro pelo seu pai, fazendo a sua estreia na governação. Aos 20, casou com D. Dulce de Aragão, de quem viria a ter 11 filhos, sendo que o quarto, D. Afonso II, foi o seu sucessor no trono. Em 1185, com a morte de D. Afonso Henriques foi coroado rei de Portugal, tendo prosseguido intensamente com a criação de concelhos e concessão de forais. A finalidade era a de atrair populações para as zonas mais desabitadas, o que levava a que o território fosse consolidado. Deste modo, recolhiam-se vantagens administrativas, económicas, sociais e até militares. D. Sancho I foi reconhecido também como sendo um excelente administrador, tendo acumulado riqueza nos cofres públicos. De resto, incentivou a criação de ordens militares, com os seus castelos a servirem de guarda defensiva avançada do país. Neste sentido, em 1189, o território português governado por D. Sancho I era delimitado a sul por Alcácer, Évora e Estremoz. Quanto às fronteiras leste e norte já se apresentavam relativamente estabilizadas, isto apesar dos conflitos usuais da época. Assim sendo, aquele que ficou conhecido como o fundador da Guarda, apostou principalmente em expandir o domínio nacional para sul, dominado pelos mouros, conseguindo alargar o território português até às meridionais localidades de Lagos e Silves, embora não de forma definitiva. Em 1210, dois anos antes de morrer, elaborou o seu testamento, onde mostrou grande generosidade em relação à Igreja, mesmo apesar dos conflitos que manteve com parte do bispado nacional, em especial do Porto.

Ricardo Cordeiro

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