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Crónica de Páscoa

Recupera-se periodicamente a história da Ilha de Páscoa, famosa pelas suas gigantescas e inúteis estátuas, os Moai. Num filme, Rapa Nui, contava-se a história dos Moai e da decadência dos povos que, inicialmente vindos da Polinésia, se tinham instalado na ilha e aí desenvolvido uma civilização. O problema, segundo o filme e também segundo boa parte dos investigadores, residiu precisamente nos Moai. As gigantescas estátuas de pedra eram construídas como oferendas a divindades e para poderem ser deslocadas desde a pedreira em que eram esculpidas até ao seu destino final, tinham de ser arrastadas sobre uma camada de troncos de árvores, previamente abatidas para o efeito.

Em determinada altura começaram duas ou várias das tribos a guerrear-se e cada uma, para tentar obter supremacia sobre a outra, oferecia à divindade estátuas cada vez maiores, sendo necessário abater cada vez mais árvores para as poder arrastar até ao seu local de destino. A guerra acabou eventualmente, à míngua de guerreiros, de árvores e de Moai em quantidade suficiente para obter os favores ou aplacar a fúria dos sempre silenciosos deuses.

Acontece que as árvores eram mais necessárias que os Moai. Fixavam as terras mais férteis e ofereciam sombra e abrigo contra os ventos oceânicos. Sem elas, depressa os solos se degradaram e a ilha ficou desértica. O ecossistema da ilha ficou destruído e tornou-se insuficiente para alimentar as dezenas de milhar de pessoas que ali chegaram a habitar. Quando aí aportaram os primeiros europeus, num qualquer domingo de Páscoa, sobravam pouco mais de dois mil habitantes, pobres, decadentes e já esquecidos da antiga civilização que tinha dominado a ilha. As doenças trazidas pelos europeus, contra as quais os habitantes não tinham defesas, fizeram o resto.

Esta é hoje chilena e tem pouco mais de cinco mil habitantes, a maior parte deles idos do continente. Como único motivo de interesse, apresenta os Moai, responsáveis pela queda da antiga civilização e garantia de algum futuro, através das recitas do turismo, para os actuais habitantes. Não fossem essas gigantescas e inúteis estátuas e ninguém lá estaria hoje. Continua a haver muito poucas árvores, como se pode ver pelo Google Earth, que nos revela também que aquele é, quase de certeza, o local mais isolado do Mundo e o mais impróprio para se hipotecar o destino de toda uma civilização às hipotéticas necessidades dos deuses.

Por: António Ferreira

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