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Cromos da bola

observatório de ornitorrincos

Depois da leitura aprofundada aqui feita nas últimas duas semanas a um opúsculo ligado a uma religião maioritariamente feminina, é agora tempo de fazer uma crítica cuidada a recente edição de uma revista dedicada aos seguidores de um importante movimento ligado à revelação do sagrado.

Não me refiro a nenhum panfleto de uma obscura congregação de visionários do apocalipse, mas sim à Sports Illustrated – Edição Especial Biquinis, agora em versão portuguesa. Curiosamente, esta revista repleta de top-models em fato de banho é distribuída com a Men’s Health, a única revista “para homens” que traz um homem na capa. Pode ser um erro de target ou uma forma de diversificar o público. Por causa das más interpretações, ofereci a MH a uma amiga que por ali passava, ao mesmo tempo que exibi orgulhosamente a edição novíssima da SI. Na verdade, se há dias de orgulho gay, também deve haver dias de orgulho de qualquer outra preferência sexual, como a predilecção por modelos em biquini impressas a cores em papel couché brilhante. Pode ser um comportamento desviante, mas é hora de defendermos os nossos direitos. Com tenacidade, um dia será reconhecido o direito ao casamento e, quem sabe, à adopção de crianças entre homens e modelos em revistas. Pela minha parte, espero ansiosamente pelo dia em que possa finalmente legalizar a união de facto que tenho com um poster da Elle McPherson.

A revista abre com algumas páginas de texto, o que me levou a proceder da mesma forma que nos livros com prefácios de Mário Soares: ir directamente para as páginas interessantes, o que em alguns casos significa ler apenas o código de barras. O primeiro capítulo tem como personagem principal Elsa, a primeira mulher portuguesa a aparecer nas páginas da Sports Illustrated. Até aqui, apenas desportistas masculinos como Carlos Lopes, Luís Figo ou Fernanda Ribeiro tinham aparecido na famosa revista norte-americana. Elsa é apresentada como “um hino à beleza nacional”, embora alguns entusiastas preferissem que a modelo se comparasse a uma sonata, apresentado um primeiro movimento rápido, depois um movimento lento seguido de um movimento dançante (um minueto, por exemplo) e um movimento final, de carácter enérgico e conclusivo.

No capítulo seguinte, intitulado “Honduras”, Petra Nemcova aparece dentro de água com um top molhado e transparente e nas páginas seguintes, encontramos Verónica Varekova sentada numa rocha sem o top do biquini e Mallory Snyder de tanga (de costas viradas para o leitor) a carregar o que parece ser um barco. Esta sequência simboliza claramente a panaceia latino-americana das secas e das inundações, de uma sedentarização incipiente e da pobreza, tão bem reconhecida por nós na famosa alegoria da tanga.

Segue-se “Belize”, onde Michelle Lombardo, Fernanda Motta e Yamila Diaz-Rahi fazem produzir em poucos minutos uma quantidade de testosterona suficiente para transformar a voz cristalina de Teresa Salgueiro no mais grave clamor de Darth Vader. Em “Costa Rica”, um solo de Marisa Miller prova que a narrativa e a complexidade das personagens podem bem ser dispensadas. O quinto capítulo, “Bahamas”, mostra-nos os uétipos agustinianos Carolyn Murphy (dentro de água), Frankie Ryder (à pesca), Anne V (numa cama) e Shakara Ledal (deitada sobre vegetação). Depois desta revista, até Miguel Sousa Tavares se vai esquecer do seu livro quando lhe falarem no equador.

Para a semana, veremos como o capítulo dedicado ao Chile influenciou o roteiro de visitas de Estado do Presidente da República e discutiremos o anexo sobre campeãs olímpicas em biquini – o que causou algum desconforto às jogadoras de voleibol de praia, pouco habituadas a usar tanta roupa.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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